Artigos sobre Atendimento e Serviço ao Cliente, publicados na Gazeta das Caldas em 2010

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Hospitalidade e Serviço
José Rafael Nascimento

Um dos aspectos que o cliente mais aprecia quando se desloca a um estabelecimento comercial, é sentir-se “como se estivesse em sua casa”. O que significa isto e que implicações tem para o profissional de comércio? Desde logo, o cliente não sentir que é “um estranho que vem incomodar”, olhado com desconfiança e enfado. Depois, sentir-se notado e à vontade para solicitar o serviço desejado. Finalmente, sentir um ambiente acolhedor e familiar, em que os profissionais mostram gosto em servir, para satisfazer necessidades e ultrapassar expectativas.

Caldas da Rainha pode e deve ser a “capital do bom atendimento”, em que os comerciantes e seus empregados (e, na óptica da cidade, todas as suas instituições e habitantes) mostram orgulho em bem receber. Este aspecto é especialmente apreciado pelos consumidores, mais até do que a qualidade e diversidade dos produtos vendidos. O atendimento pode fazer toda a diferença e dar uma imagem positiva do estabelecimento, sendo um atributo relativamente fácil de implementar do ponto de vista económico, temporal e da valoração do cliente.

O que devem fazer então, em concreto, os profissionais de comércio? Primeiro, OLHAR! Fazer com que o cliente se sinta notado, desde que entrou no horizonte visual comum. Segundo, SORRIR! Mostrar ao cliente que é bem-vindo, que está a ser cumprimentado com simpatia e que há disponibilidade e interesse em atender. Se for necessário, o profissional deve verbalizar esta saudação visual, mas nunca “saltar para cima do cliente”, mesmo que seja para oferecer ajuda (afinal, para que é que lá está?!). Terceiro, SERVIR! Sem complexos, mostrando-se disponível e só avançando para o cliente se este der sinais, visuais ou verbais, de que precisa de ajuda. O que requer uma permanente atenção ao cliente, sem o perseguir ostensivamente (mesmo que só com o olhar).

 
2010
José Rafael Nascimento

O processo de revitalização do comércio tradicional das Caldas da Rainha registou em 2009 alguns avanços, ainda que pudesse e devesse ter sido feito muito mais. Em ano de grandes dificuldades, iniciou-se a criação de zonas comerciais e a designação de representantes de ruas, realizou-se formação específica para a certificação dos primeiros estabelecimentos comerciais e promoveram-se acções de animação inovadoras – montras vivas, “o comércio sai à rua”, abóboras do Halloween e bonecos de neve pelo Natal, entre outras. Estão de parabéns os comerciantes que souberam reagir à letargia e enfrentar a crise do consumo.

Seria importante que este processo ganhasse em 2010 um novo impulso, melhorando a qualidade do que já se iniciou e lançando novas iniciativas. O conceito de “comércio com glamour” deveria consolidar-se, a criação de zonas comerciais deveria concluir-se ainda no primeiro trimestre, e a segunda fase da formação para a certificação deveria ser simplificada e arrancar no início do ano, abrangendo pelo menos o triplo dos participantes da primeira fase. Além disso, os comerciantes deveriam avaliar a satisfação dos seus clientes, ter acesso a mais informação estatística e de mercado, e a comunicação interna e externa do órgão associativo deveria tornar-se mais eficiente e eficaz.

Relativamente à animação comercial (de rua e de loja), deveria iniciar-se já a preparação das principais datas comemorativas: além dos feriados nacionais, os dias dos Namorados, da Saúde, da Mulher, do Consumidor, do Pai, do Livro, do Estudante, da Mãe, da Europa, da Cidade, da Diversidade Cultural, da Criança, do Ambiente, dos Avós, da Juventude, da Solidariedade, do Turismo, dos Idosos, dos Animais, dos Professores, da Alimentação, de São Martinho e dos Direitos Humanos, por hipótese. Seriam destacadas as montras que, ao longo do ano, melhor contribuíssem para a comemoração das datas definidas.

Relativamente a novas iniciativas, importaria lançar uma campanha de promoção e fidelização comum a todos os comerciantes, a qual oferecesse prémios mensais e anuais com grande poder de incentivo ao consumo no comércio tradicional das Caldas da Rainha. O sistema deveria ser simples e flexível, em moldes já abordados no processo de formação. Comprovou-se, na altura, que com um investimento reduzido por estabelecimento, seria possível financiar um valor elevado de prémios, extremamente atractivo, o qual poderia fazer toda a diferença nos resultados a obter em 2010.

 
Terminal
José Rafael Nascimento

O terminal rodoviário de uma cidade é um dos seus principais cartões de visita. O que aí se passa, marca decisivamente as primeiras e últimas impressões de todos aqueles (e são milhares!) – residentes e visitantes, nacionais e estrangeiros – que chegam e partem diariamente da cidade. É suposto ser um local moderno, funcional, confortável, dotado de bons serviços e de pronta informação, não só sobre os transportes, mas também sobre o que a cidade tem para oferecer a quem a visita. Percebe-se, assim, a importância que o atendimento tem neste contexto.

O que dizer, então, de um terminal escuro, apertado e sem condições adequadas de embarque e desembarque, onde os passageiros nunca sabem as horas efectivas de chegada e de partida, onde não se consegue adquirir um determinado bilhete porque “o sistema não funciona”, onde os sanitários por vezes estão imundos, onde os utentes entram e saem pelos mesmos acessos das viaturas e até já se viu passageiros a embarcar na garagem durante o abastecimento da viatura? E como entender a má qualidade de alguns autocarros que, além de desconfortáveis, se avariam pelo caminho, a falta de simpatia e de cortesia de alguns funcionários e a total ausência de informação sobre a cidade?

Tudo isto e muito mais – escassez de carreiras, horários desajustados, tarifários inaceitáveis, etc., é revelador de uma certa cultura terceiro-mundista que prevalece neste país, contrariando a vontade colectiva de evoluir para níveis e padrões mais civilizados de comportamento cívico e organizacional. E depois, quando se reclama (cumprindo, aliás, um dever de cidadania), sente-se pena daqueles funcionários que também não têm condições de trabalho apropriadas, refugiando-se na vitimização. Porquê? Porque vivemos no reino do amadorismo e do porreirismo, ignorando a orientação para o cliente, a avaliação do desempenho e as boas práticas de liderança e de gestão. Por melhores que sejam as intenções, não será um painel de azulejos de Bordalo que dará à cidade o terminal que merece, apetecendo até dizer “mal empregado!”.


100% Natural
José Rafael Nascimento

Atender com respeito e cortesia, usando uma linguagem apropriada, é condição essencial para um bom atendimento. Mas o excesso de mesuras, muitas vezes reproduzidas de forma estereotipada como se de uma gravação se tratasse, também insatisfaz o cliente, levando-o a duvidar da experiência e credibilidade do profissional. Nada como se mostrar espontâneo e genuíno, mesmo revelando algumas imperfeições menores, o que não é incompatível com a existência de scripts e normas de procedimento.

“Com quem tenho o prazer de estar a falar?”, pergunta o assistente, depois de o cliente lhe apresentar extensivamente o problema e esperar ansiosamente a solução que urge. “Pode dizer-me o seu número de cliente?”, insiste, obrigando o cliente a vasculhar nas facturas amontoadas e a perder mais tempo e paciência, sem ver o problema esclarecido. Estes cortes de comunicação, perfeitamente desnecessários, exasperam o cliente e desencadeiam frequentemente situações de conflito.

Noutros casos, é o excesso de zelo que incomoda: “O telefone do senhor engenheiro continua ocupado, não se importa de esperar um pouco mais?”, pergunta a telefonista pela enésima vez, num espaço de tempo que parece ter sido ainda agora. “Eu espero, minha senhora, eu espero o tempo que for preciso!”, responde o cliente com irritação na voz e uma vontade reprimida de acrescentar “Não me pergunte mais nenhuma vez!!!”.

Uma coisa é o respeito e atenção ao cliente, outra o artificialismo e automatismo do atendimento. Os consumidores, depois de reivindicarem o direito á conveniência (onde ainda há muito por fazer...), exigem hoje o direito à autenticidade, rejeitando cada vez mais o engano e a falsidade. Na era do peeling, implante e photoshop, sabe bem receber um serviço natural, sem corantes nem conservantes.


Abordagem ao Cliente
José Rafael Nascimento

Defendi aqui que um profissional de comércio não deve “saltar para cima do cliente” assim que ele entra no estabelecimento. Nem depois, obviamente. Expressões como “Posso ajudar?” ou “Se precisar de ajuda, diga!” são desnecessárias e causam desconforto no cliente, por violarem o seu espaço de liberdade e autonomia. Os estabelecimentos comerciais evoluíram e modificaram radicalmente o seu formato nas últimas décadas, privilegiando o auto-serviço. Foram abolidos muitos balcões, inclusive onde tal era considerado pouco provável, como os bancos e as perfumarias. Entre as principais razões, contam-se a necessidade de reduzir os custos de operação comercial e a maior competência de compra e desejo de à-vontade dos consumidores.

Significa isto que o profissional de atendimento deve ignorar o cliente e nada fazer para o servir melhor, aumentando as vendas e os lucros? Claro que não. A questão está em saber fazê-lo, com respeito e delicadeza, conciliando os interesses deste com os do seu negócio. O segredo reside na utilização da comunicação visual (ou não-verbal) para interpretar os sinais do cliente – a sua postura, gestos, expressões e fonética – os quais reflectem as suas perplexidades, expectativas, estados e intenções. Para tal, recorrerá à visão periférica (e não focal), observando discretamente o cliente até que algo justifique uma maior atenção e abordagem. Então, se for o caso, o profissional aproximar-se-á e reforçará a sua disponibilidade para ajudar o cliente.

Por sua vez, o cliente sentirá que o profissional está atento e colaborante, complementando a informação que o espaço da loja, os expositores e os produtos imediatamente lhe proporcionam. Sentir-se-á tranquilo, sem deixar de ser atendido e servido. O seu espaço físico e psicológico será respeitado e preservado, entrosando-se no espaço físico e social da loja. As oportunidades de ser informado e persuadido serão, desde logo, aquelas que o vitrinismo e merchandising forem capazes de explorar eficazmente, e depois aquelas que o profissional identificar no comportamento do cliente, para então esclarecer e aconselhar. Trata-se, provavelmente, de um caminho mais exigente do que “saltar para cima do cliente”, mas estou convicto de que é o melhor caminho.


Clientes Difíceis
José Rafael Nascimento

Evidentemente que há clientes mais difíceis do que outros. A sua personalidade e disposição podem dificultar um determinado atendimento, mas são os factores situacionais (ou contingenciais) que mais determinam o decurso do atendimento. O que significa isto? Significa que o atendimento depende sobretudo da maneira como o estabelecimento e os profissionais gerem a relação com o cliente e as condições de acolhimento, pois trata-se mais de “clientes em situação difícil” do que de “clientes difíceis”.

A relação com o cliente é um processo permanente, incluindo não só os momentos de contacto – presenciais e à distância – mas também os momentos anteriores e posteriores, em que colocamos o cliente no nosso horizonte, realizando uma adequada pesquisa de marketing, e nos colocamos no horizonte do cliente, explorando a sua atenção, interesse, desejo e acção. A relação com o cliente é gerida com base nos princípios do marketing relacional, em que a satisfação e fidelização constituem dimensões estruturantes, sendo as condições de acolhimento relativas ao ambiente físico e social, em que se oferece conforto e boa disposição ao cliente, favorecendo as situações de espera, informação, comunicação e serviço.

Se tudo fosse bem feito, as situações de conflito seriam residuais. Contudo, esta não é a realidade, sendo muitos os casos de clientes [em situações] difíceis. Como lidar, então, com eles, quando a prevenção não funciona? Primeiro, PELA POSITIVA! Sem conflito, procurando a melhor solução possível e comunicando de forma hábil e persuasiva. Segundo, APROXIMAR-SE! Ao invés de contrariar e oferecer resistência às características ou atitudes do cliente, ir ao encontro delas, afirmando compreensão e respeito pelas mesmas, para depois conduzir o cliente para a posição desejada. Terceiro, MOSTRAR PEOCUPAÇÃO! Provando que estão ou serão envidados todos os esforços para resolver o problema e lamentando quando tal não é possível, sem arrogância nem desprezo pelo cliente.

Tal como no judo, em que não se contraria a força do adversário, antes a aproveitando em benefício próprio, também o atendimento de clientes [em situações] difíceis é uma arte inteligente de defesa activa, procurando alcançar o objectivo comum da satisfação de necessidades, interesses e expectativas. Afinal, em ambos os casos está-se perante um confronto, de natureza física no caso do judo, mental e psicológica em qualquer dos casos. Sempre com ética e temperança, nunca pondo os interesses pessoais acima dos interesses do negócio.


Hospital
José Rafael Nascimento

A organização hospitalar é uma das mais complexas e difíceis de gerir. A sua dimensão, apesar da permanente insuficiência de camas e gabinetes, a multiplicidade de serviços e especialidades, a diversidade de culturas e origens nacionais, a urgência de procedimentos e rigidez de rotinas, o elevado custo e taxa de obsolescência de meios, a inércia de práticas e comportamentos, a interferência de interesses políticos e corporativos, a variabilidade e incerteza de casos clínicos, os riscos de contágio e infecção hospitalar, a ansiedade e comportamento de doentes e acompanhantes, são factores que dificultam a gestão hospitalar, designadamente no sector público.

Apesar desta complexidade, os serviços prestados aos cidadãos poderiam ser substancialmente melhorados se maior atenção fosse dada a dois aspectos fundamentais: o efectivo cumprimento de rotinas e procedimentos, e a comunicação e relação com os utentes. Trata-se, por um lado, de aplicar mecanismos eficazes de controlo e prestação de contas, e, por outro, de desenvolver uma cultura de humildade e serviço, associada a competências básicas de empatia e compaixão. Não são, definitivamente, aceitáveis atitudes de indiferença e arrogância, sobretudo quando associadas a actos de negligência.

Quem toma contacto com o ambiente hospitalar, sobretudo nos serviços de urgência, experimenta uma sensação de tremenda ineficiência. Admite-se que, em parte, esse sentimento possa não corresponder à realidade, dada a sua especificidade. Contudo, a manifesta insatisfação dos utentes é sinal de que muita coisa não está bem nos serviços públicos de saúde, apesar da dedicação da maioria dos seus profissionais. Internamente, é preciso organizar melhor e exigir mais. Externamente, é preciso escutar mais e informar melhor. As rotinas e procedimentos devem impô-lo, ajudados por uma maior consciência individual e colectiva, que permita suprir as falhas organizacionais.

Quanto aos utentes, são vários (embora nem sempre eficazes) os meios ao dispor para sugerirem melhorias e defenderem os seus direitos: Gabinete do Utente, Livro de Reclamações, Inspecção Geral das Actividades em Saúde, Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Provedor de Justiça, Procuradoria-Geral da República e Comunicação Social. Exigir melhores serviços é um direito e um dever de cidadania. Mas, em saúde, é também uma condição de sobrevivência, pois a ineficiência e os erros podem significar perdas de vidas.

 
Objectivos do Atendimento
José Rafael Nascimento

O atendimento ao cliente tem três objectivos fundamentais, todos eles ligados por um denominador comum: SATISFAÇÃO. Desde logo, a do cliente, condição indispensável para que volte a comprar e influencie positivamente outros consumidores. Depois, e conjugada com a primeira, a da empresa que precisa de rentabilizar o negócio, para que se reproduza e prospere. Finalmente, a do próprio profissional de atendimento, o qual deve encontrar no exercício da sua função motivos de realização e agradabilidade.

Parece não haver contestação aos objectivos antes enunciados, não sendo sugeridos outros em alternativa. Qual é, então, o problema? É que, aquilo que se aceita facilmente no plano teórico, enfrenta grandes dificuldades quando posto em prática. Nesse momento, designadamente quando o comportamento do cliente não é agradável e favorável, outros objectivos se estabelecem, comprometendo a eficácia do atendimento. Aí, o objectivo da satisfação é substituído pelo da crítica aberta ou velada, da lição de moral ou boas maneiras, ou até da condenação e punição, todos eles inaceitáveis em comércio.

Como dizia Fernando Pessoa, já em 1926, “o comerciante não pode ter opiniões como comerciante, nem deve fazer comercialmente qualquer coisa que leve a crer que as tem. (...) Mais incisivamente ainda: o comerciante não tem personalidade, tem comércio; a sua personalidade deve estar subordinada, como comerciante, ao seu comércio.” Não podia ser mais claro: quando se perde de vista o objectivo fundamental do atendimento comercial, deixando-se levar por preconceitos ou emoções desapropriadas, perde-se o negócio.


Empatia e Compaixão
José Rafael Nascimento

Experimente fazer um E (maiúsculo) na sua testa, com o seu dedo. Se o fizer orientado para quem lho pediu, é possível que tenha um grau de empatia mais elevado do que outra pessoa que o faça orientado para si própria. Claro que um só teste não é conclusivo, mas se fizer mais testes que apontem para uma forte sensibilidade em relação aos outros, designadamente para com as suas necessidades, capacidades, direitos, interesses e emoções, então emergirá um perfil empático que o caracterizará como um indivíduo dotado de elevada inteligência social.

A empatia consiste na motivação para o outro, visando perceber o seu estado ou condição, e agir em conformidade, tendo em conta as circunstâncias e o quadro normativo aplicável. Reporta-se à capacidade de compreender o pensamento, sentimentos e intenções do outro, tendo em conta a sua situação e características, sem se deixar envolver. Perante comportamentos excessivos e perturbadores, de acção ou inacção, a empatia autêntica gera sentimentos de compaixão, ou seja, de compreensão e ajuda, que se situam para além da tristeza e da pena.

No atendimento ao cliente em geral, e sobretudo no caso de clientes difíceis, a empatia e a compaixão são qualidades que o profissional deve valorizar, constituindo alternativas adequadas aos sentimentos negativos de impaciência, irritação ou desprezo. Quando um cliente demonstra um comportamento perturbado ou desajustado, algum motivo o explicará, sendo dever do profissional criar as condições e influenciar para que o cliente modifique voluntariamente o comportamento. Só em caso limite, quando deixa de ser comercial para ser caso de polícia, deverá o profissional recorrer à autoridade competente para resolver o problema, nunca entrando em conflito.


Viva Portugal
José Rafael Nascimento

Cheguei há pouco da nova superfície comercial instalada nas Caldas da Rainha, onde comprei (casualmente) um cabide por 12,90€. Ouço agora, na rádio, o ministro das Finanças a apresentar a proposta de programa de estabilidade e crescimento (PEC), para “salvar” o país da bancarrota. O que é que tem uma coisa a ver com a outra? Aparentemente nada: um cabide é um cabide, dá sempre jeito, e é melhor salvar o país do que o matar ou deixar morrer. Acontece, porém, que tem tudo a ver.

No referido hipermercado de artigos para o lar, a compra de um simples cabide constitui uma verdadeira odisseia, em formato “pedipaper” – o cliente tem de passar por quatro “postos de controlo” e assinar vários papéis, antes de tomar posse do produto: 1- diz o que quer; 2- paga; 3- diz o que vem levantar; 4- levanta. Tudo muito simpático e burocrático, como convém, percorrendo o interior e o exterior da loja. Ah, e informa a matrícula do automóvel, não vá a polícia multar por falta de guia de transporte.

É por estas e por muitas outras que o país está como está: somos pouco competitivos e atractivos, temos a mais baixa produtividade da Europa e uma das mais elevadas dívidas externas, a educação geral e profissional é das mais fracas e mantém-se um caldo de cultura extremamente desfavorável, o qual é habilmente explorado por dirigentes políticos incompetentes e sem escrúpulos. Estamos no pior pântano que esta geração já experimentou, cada vez mais movediço e horripilante. Mas não há aqui nenhuma novidade, o diagnóstico está feito há muito tempo.

Esperava-se, então, que o aguardado programa viesse finalmente indicar como sair do pântano. Puro engano e ingenuidade: então não são os proponentes do PEC os mesmos que nos conduziram ao lodaçal, apesar de tantos avisos à navegação? Quando se exigia ambição e coragem, eis que nos apresentam um pseudo-programa sem alma, sem inovação, persistindo nos mesmos erros e ilusões. Ao ouvir o pobre ministro, apeteceu-me repetir a exclamação que deixei ao último empregado que me atendeu no hipermercado: Viva Portugal! Ele pensou que eu estava a ironizar. Não estava.


Profecia Auto-realizadora
José Rafael Nascimento

O sociólogo Robert Merton designou por profecia auto-realizadora, a previsão (falsa ou incerta) de que determinado comportamento vai ocorrer na pessoa com quem se interage, acabando efectivamente por ocorrer, não porque a previsão fosse correcta, mas porque a atitude assumida para com a pessoa influenciou o seu comportamento, sem que disso se tenha consciência. Assim, por exemplo, ao achar que determinado cliente tem um ar simpático (ou antipático), o empregado poderá dirigir-se-lhe de forma atenciosa (ou defensiva), levando o cliente a ser efectivamente simpático (ou antipático), quando noutra circunstância não o seria.

Esta armadilha é mais frequente do que se possa pensar, dando origem a situações de mau atendimento. Como a realidade acaba por confirmar a previsão inicial, o preconceito sai reforçado, levando o profissional a julgar que tem razão e a repetir o erro. Acontece também, em situações dúbias, quando as expectativas levam os indivíduos a percepcionar a realidade de uma forma enviesada, parecendo-lhes que as coisas são o que efectivamente não são, pelo facto de valorizarem mais a informação confirmatória do que aquela que contradiz as expectativas.

Ser bom profissional, neste contexto, é avaliar a realidade com cuidado e sem precipitações, procurando obter mais informação e relacioná-la adequadamente. Pior do que ter preconceitos é agir em função deles, ignorando que “comportamento gera comportamento” ou deixando-se influenciar pelo comportamento do cliente, senão mesmo pelo seu aspecto. Cabe ao profissional de atendimento criar as condições prévias que facilitem um comportamento favorável do cliente, tendo a noção de que o comportamento humano é, em grande medida, contingencial.


Segurança (pouco) Social
José Rafael Nascimento

Compreende-se o sentimento de insegurança experimentado pelos funcionários da Segurança Social das Caldas da Rainha, no seguimento do ataque de que foi alvo uma das suas colaboradoras, por parte de um indivíduo tresloucado. Nada justifica um incidente destes, que se lamenta profundamente, mesmo quando um funcionário não é capaz de gerir uma relação conflituosa com o utente, ou, pior, quando contribui para desencadear ou escalar o conflito. Não sei se foi o caso, ou se se tratou simplesmente de um acto insano sem antecedentes, de que poderá ser vítima qualquer cidadão, desde o momento em que está com outras pessoas.

A probabilidade de uma ocorrência semelhante é, obviamente, extremamente baixa, devendo questionar-se quantos funcionários da Segurança Social ou de qualquer outro serviço público, lidando com milhares e milhares de utentes, já sofreram idêntica agressão; ou quantos profissionais de atendimento ao público, em tantos sectores de actividade, públicos e privados, já passaram por uma situação deste tipo. A percentagem é irrisória, mas, ainda assim, uma vítima que seja é um ser humano que merece respeito e protecção.

O perigo e o risco, de natureza física ou social, fazem parte da vida humana e, por isso, também da actividade de muitos profissionais. Professores, médicos, enfermeiros, advogados, juízes, fiscais, polícias e tantos outros profissionais que lidam com o público, enfrentam diariamente situações complicadas e arriscadas que põem em causa a sua integridade física e/ou psíquica. Diria mesmo que qualquer pessoa presente no espaço público enfrenta potenciais ameaças, seja por um qualquer motivo, justificado ou injustificado, seja por motivo nenhum.

Não se compreende, assim, a reacção desproporcionada da Segurança Social das Caldas da Rainha, ao colocar vidros separadores de enorme dimensão em cada posto de atendimento (secretária), criando uma barreira, não só física, mas sobretudo psicológica, entre o utente e o funcionário. Além de insólita, inestética, ineficaz e redundante (está presente um Vigilante), a solução encontrada é humilhante para os 99,99% de beneficiários que têm de se deslocar àqueles serviços e que nunca agredirão funcionário nenhum. Imagine-se, então, se a moda pega!

Espera-se que a emoção dê lugar à razão e o bom-senso prevaleça, retirando-se os separadores logo que possível. A capacidade de comunicar de forma persuasiva com os utentes, especialmente nos casos difíceis, é a melhor arma de que os funcionários podem dispor para se defenderem de eventuais ameaças e agressões, sejam elas físicas ou verbais. A força das palavras e, mais globalmente, das atitudes, não deve ser menosprezada, estando na origem de grande parte dos problemas que se criam, assim como, também, na possibilidade de os resolver.


Referências
José Rafael Nascimento

Falamos a mesma língua, mas formamos e transmitimos ideias muito diferentes sobre a realidade. Uma casa é uma casa, mas, quando a descrevemos, fazemo-lo de modo muito diverso, seja no plano cognitivo, seja no afectivo. As representações que possuímos são o resultado das experiências de vida particulares, processadas de acordo com os mecanismos perceptivos de cada um, servindo de quadro de referência para a comunicação entre as pessoas. E essas representações tanto podem ser muito semelhantes como muito distintas, sem nos darmos conta disso.

Os portugueses que emigraram e, posteriormente, regressaram ao país, conheceram experiências de negócio e profissionais de outro tipo, porventura mais avançadas em matéria de design, merchandising, atendimento e serviço ao cliente. Quem viaja pelo país e ao estrangeiro, procura também conhecer experiências diferentes e inspiradoras. Quem vê um filme, recolhe ideias que podem servir de referência para a melhoria do desempenho. A leitura de livros e revistas especializadas, ajuda a adquirir novas perspectivas que facilitam os processos de melhoria e inovação. E sonhando, imaginamos coisas maravilhosas, em que o mundo pula e avança...

Em plena “tempestade perfeita” económica e social, as Caldas da Rainha viram surgir cafés de nova geração, mais modernos e confortáveis, de que são exemplos o Porta da Cidade, o Cheap’n Chic, o Maratona, o Doce Pecado e o Strauss. Faziam falta, tal como fazem falta no centro da cidade esplanadas de qualidade em espaço amplo, com elementos verdes e aquáticos, animados por música ao vivo e outros espectáculos regulares. E quanto ao atendimento e serviço ao cliente, também estes cafés são exemplo de profissionalismo, sobretudo na maneira como os empregados se apresentam e se dirigem aos clientes, mostrando que souberam identificar as referências certas, adaptar e inovar, sendo agora uma referência para os demais. Assim se faz o progresso.


Serviços Máximos
José Rafael Nascimento

A empregada levantou-se da secretária e dirigiu-se à fila de espera do outro lado do balcão, levando na mão alguns papéis. Foi perguntando a cada cliente o que pretendia e a cada um procurava dar uma solução: a este uma informação, àquele um impresso, a um orientava para outra secção, a outro dizia para se manter naquela fila, etc. Ao fim de poucos minutos, aquela enorme fila estava reduzida a meia dúzia de clientes. Enquanto observava a cena, perguntava-me a mim próprio o que motivaria aquela empregada: Pouco trabalho? Um pedido de ajuda da colega? Uma ordem do chefe? A expectativa de uma boa avaliação e promoção? A irritação dos clientes? Não, nada disso se viu, a senhora simplesmente observou a fila, interrompeu o que estava a fazer e dirigiu-se aos sossegados clientes, despachando um atendimento que prometia ser demorado.

Se aquela empregada se mantivesse no seu posto de trabalho, estaria a realizar o seu trabalho e ninguém a levaria a mal, antes pelo contrário. Mas, o que ela fez mostrou à evidência que, entre aquilo que se faz e o que se pode fazer, entre o trabalhar bem e o trabalhar melhor, vai um espaço de oportunidade que pode e deve ser aproveitado, fazendo a diferença entre o bom e o excelente empregado. Onde está a diferença? Está, desde logo, na atitude face ao cliente e à empresa, procurando melhor satisfazer as suas necessidades e aspirações. Mas está, também, na atitude em relação a si próprio, aquilo que há muito se designa por brio profissional, mas que, infelizmente, parece ter caído em desuso.

É preciso, pois, recuperar o conceito de brio profissional, aquela motivação que vem de dentro da pessoa, sem esperar por incentivos externos, de ter orgulho em fazer mais e melhor, sentindo-se bem com isso. Trata-se, simplesmente, de não se conformar em fazer aquilo que se lhe exige – que designaríamos por serviços mínimos, mas procurar fazer tudo o que puder, aproveitando todas as oportunidades, para satisfazer o cliente e beneficiar a empresa – os serviços máximos. Sem procurar argumentos e justificações. Porque aquela empregada, ao fazer o que fez, tem de ser necessariamente uma pessoa feliz.


Desculpas
José Rafael Nascimento

Pedir desculpas é, para muitos, um mero acto de lavandaria, em que o detergente até já vem com amaciador. Pede-se desculpas e pronto, o mal desaparece como se nunca tivesse acontecido, aliviando a consciência de quem o pratica, mas não a dor de quem o sofre. Melhor seria não receber estas “desculpas de mau pagador”, pois assim se evitaria, ao menos, a triste hipocrisia.

As desculpas sinceras, essas, fazem todo o sentido, mostrando-se (e demonstrando-se) genuíno arrependimento e garantida vontade de prevenir novo episódio. Palavras leva-as o vento e de boas intenções está o inferno cheio. O consumidor já não vai em velhas cantigas e exige acção. O vendedor errou? Não devia ter errado. Os erros previnem-se e as desculpas evitam-se. Mas, quando necessárias, devem ser apresentadas com verdade e humildade, explicando-se, se for caso disso, os motivos do erro e as medidas tomadas para o reparar e prevenir.

Vem, depois, a compensação. Em marketing, a reparação do erro deve compensar o cliente pelos custos suportados, não só os materiais/patrimoniais, mas também os psicológicos/morais. Quando se trata de defeito de fabrico, a compensação deve ser suportada pelo produtor, mas, quando relacionada com o serviço, ela é custeada pelo retalhista. Em qualquer dos casos, cabe a este dar a cara e assumir todas as responsabilidades perante o cliente. Mais ainda, hoje não se exige que o produto ou serviço tenha uma desconformidade para que a transacção seja anulada, basta que o cliente manifeste insatisfação ou desagrado.

Ao mesmo tempo, devem ser simplificados os requisitos impostos ao cliente, dando-lhe o benefício da dúvida, se a houver. Em marketing, cabe ao vendedor provar a não existência de erro (e não ao cliente provar o contrário), só sendo válida a prova aceite pelo cliente. Não se pretende, naturalmente, favorecer o oportunismo, mas tão-somente evitar que pague o justo pelo pecador. Em caso de dúvida, é preferível beneficiar quem não merece do que prejudicar quem possa ter razão: perder um cliente é pior que perder uma venda e um cliente insatisfeito influencia duas a três vezes mais do que um cliente satisfeito.


Conhecimento
José Rafael Nascimento

Vivemos na era do conhecimento. As sociedades e as economias evoluem rapidamente para uma realidade em que o valor apropriado nos domínios da educação, da investigação, dos media e das tecnologias e serviços de informação, dão vantagem competitiva aos seus detentores. Na relação comercial, o domínio do conhecimento determina, de forma significativa, o resultado das negociações e transacções, e o poder tem vindo, claramente, a pender para o lado dos clientes, com prejuízo dos vendedores.

Não raramente, os clientes sabem mais sobre os produtos que lhes interessam, do que os profissionais de comércio e vendas. Em primeiro lugar, por isso mesmo: interessam-se! Depois, porque a informação e o conhecimento estão mais disponíveis, muitas vezes à distância de um clique, a qualquer hora e em qualquer lugar. E os vendedores? Muitos, infelizmente, não revelam suficiente brio profissional e, por isso, não se empenham como deviam. Quando questionados sobre a sua ignorância, justificam-se com a falta de apoio da entidade empregadora, procurando camuflar a própria inércia.

A responsabilidade pela aquisição, actualização e desenvolvimento do conhecimento profissional, deve ser partilhada pela empresa e pelo colaborador. Ambos devem empenhar-se nesse desiderato, de forma coordenada e programada. A definição de objectivos de aprendizagem deve fazer parte dos planos de carreira e dos processos de avaliação do desempenho, em qualquer organização. Saber mais do que o cliente deve motivar qualquer profissional, desde logo porque é uma vergonha não saber o essencial, e depois porque a autoridade constitui um dos princípios essenciais da persuasão do cliente, assentando em grande medida na informação e no conhecimento.


Qualidade dos Serviços
José Rafael Nascimento

Mais de metade do produto nacional e do emprego são gerados no sector dos serviços. E serviços existem em todos os sectores de actividade, desde o momento em que esta assume uma natureza empresarial e depende, para sobreviver e desenvolver-se, da comercialização dos produtos no mercado. Geram-se, assim, serviços internos (entre colaboradores) e externos (aos clientes) que requerem elevado profissionalismo e qualidade.

O profissionalismo dos prestadores de serviços baseia-se na sua atitude face ao trabalho, à empresa, aos colegas e aos clientes. Valores como brio, lealdade, dedicação e responsabilidade são fundamentais, assentes numa boa compreensão da realidade, num forte envolvimento profissional e organizacional, e numa activa participação na concretização dos objectivos estabelecidos.

No que diz respeito à qualidade dos serviços, cinco dimensões são propostas por Parasuraman, Zeithaml e Berry, no seu modelo SERVQUAL:

- Tangibilidade: atractividade e agradabilidade dos elementos físicos do serviço
- Fiabilidade: capacidade para executar o serviço sem erros ou falhas
- Resposta: vontade de ajudar e servir prontamente os clientes
- Garantia: competência, cortesia, credibilidade e segurança na prestação do serviço
- Empatia: compreensão do cliente e facilidade de acesso e comunicação

A diferenciação pela produtividade e pela inovação, são importantes oportunidades a explorar, mas a qualidade do serviço também pode fazer a diferença e constituir uma vantagem competitiva, designadamente quando o seu valor é reconhecido pelo cliente.


Liderança
José Rafael Nascimento

William Bommer, eminente investigador na área da liderança, defende que poucas coisas têm mais importância na vida de uma organização, do que o modo como as pessoas se sentem em relação à maneira como são geridas e lideradas, estando a liderança relacionada com variações na moral do grupo e na sua produtividade. A importância da liderança é inquestionável, qualquer que seja o domínio da actividade humana em sociedade. Referimo-nos não só à liderança formal, mas também à informal, desempenhada por indivíduos especialmente influentes ou por um qualquer de nós, que, em momentos específicos, pode assumir o papel de líder de opinião ou de projecto.

Portugal tem um grave défice de “boa liderança” em todos os sectores e níveis de actividade, o que constitui uma verdadeira “força de bloqueio” ao nosso desenvolvimento e felicidade. Faltam pessoas que tenham ambição e estratégia, competência para conduzir processos, vontade de servir e não servir-se, disposição para enfrentar todo o tipo de resistências e ingratidões. Numa sociedade onde impera o individualismo, o comodismo, a inveja, a desconfiança e a ignorância, reconhece-se que não é fácil. E mais difícil se torna quando, a este caldo cultural negativo, se junta a baixa autoconfiança e motivação que, não deixando os outros fazer, também não faz.

Os traços ou atributos com que se nasce, bem como os adquiridos ao longo da vida, são meros facilitadores da capacidade de liderança, prevalecendo a qualidade do comportamento, nomeadamente quando se ajusta ao contexto em que ocorre a liderança. Para Kouzes e Posner, o “líder ideal” deveria ser capaz de questionar os processos, inovando-os ou melhorando-os; inspirar uma visão partilhada, comunicando com eficácia; facilitar e incentivar a acção, proporcionando os meios e os métodos; dar o exemplo, mostrando como se faz; partilhar o sucesso, assumindo pessoalmente as falhas.

Em momentos de estabilidade, a liderança assume geralmente características transaccionais, que pouco a distinguem da função de gestão. Contudo, em situações de incerteza, instabilidade e ruptura, como a que vivemos, requer-se uma liderança de tipo transformacional, em que o líder se assume como um catalizador da mudança, frequentemente com uma imagem carismática. Na situação de impasse que se vive em Portugal, há década e meia, urge desenvolver um programa sério de formação em liderança e, em simultâneo, promover um ambiente mais competitivo, em que o mérito seja reconhecido e o compadrio liminarmente rejeitado


Farda
José Rafael Nascimento

“Tornamo-nos o homem do uniforme que usamos”, afirmou um dia Napoleão Bonaparte. Esta citação sugere, entre outras interpretações, que a farda de trabalho dá aos clientes, não só uma ideia de quem o profissional é, mas também da entidade que representa. Composta por mais ou menos peças de vestuário e acessórios, a farda constitui um elemento fundamental do posicionamento da empresa, a par da placa identificativa, logótipo, estacionário, instalações, viaturas, etc. Como é óbvio, importa que a imagem seja verdadeira e coerente com outros aspectos, como a aparência física e a competência.

Entre outras significações, o uniforme de trabalho transmite uma ideia de organização e da personalidade da empresa – mais clássica ou moderna, discreta ou exuberante, conservadora ou inovadora, etc. – e a sua atitude face ao cliente, designadamente de respeito e consideração. Simultaneamente, a farda credibiliza, prestigia e facilita a identificação dos profissionais, dando da equipa uma imagem de unidade e coesão. Nos sectores turísticos, é também a imagem da cidade e do país que está em causa.

Outras vantagens poderão ser referidas, como proteger a saúde e integridade dos profissionais e dos clientes, poupar a roupa pessoal, evitar fenómenos negativos de competição e discriminação, e realizar acções de promoção pessoal. Contudo, também poderão estar presentes desvantagens, nomeadamente a limitação da liberdade de escolha, a imposição de padrões, cortes e tecidos desagradáveis, a ocorrência de cansaço perceptivo, entre outras.

Em Portugal, o fardamento ainda é muito negligenciado e mal gerido, sendo motivo de conflitos vários. É essencial que a sua atribuição e manutenção sejam reguladas, envolvendo-se os colaboradores no processo de decisão. A colaboração de um designer de moda ajuda a encontrar soluções consensuais, podendo até decidir-se a sua venda como merchandising. Quando bem implementada, a farda de trabalho transmite uma imagem de glamour, tendo os profissionais orgulho em usá-la.


Poder
José Rafael Nascimento

A actividade comercial, enquanto conjunto de transacções económicas e sociais realizadas entre fornecedores e clientes, é altamente susceptível às questões de poder. Nos processos negociais, leva vantagem a parte que mais poder possui e melhor o usa. Não apenas o poder legítimo que emerge do cargo exercido ou da entidade representada, mas também o poder da admiração e do respeito, da informação e do conhecimento, da recompensa e da coerção. São as bases do poder, todas elas à disposição de quem vende e de quem compra.

O poder de quem oferece bens e serviços é, obviamente, grande, fundado numa avançada metodologia científica aplicada aos processos de negócio, no profundo conhecimento do consumidor, na influente comunicação persuasiva e numa sofisticada estrutura e meios de marketing. Mas o poder de quem procura esses mesmos bens e serviços, não é menor: o fácil acesso às fontes de informação, a multiplicidade de alternativas de escolha, a força do movimento dos consumidores e a derradeira protecção do Estado.

Quanto mais poder, mais necessidade de sentido ético e responsabilidade, pois os termos da lei nem sempre se encontram bem definidos ou defendidos. Os fornecedores precisam dos clientes, como os clientes precisam dos fornecedores, sugerindo uma perspectiva ecológica que, frequentemente, evidencia imperfeições. Na verdade, a vantagem de uma parte sobre a outra constitui, muitas vezes, uma “vitória de Pirro”, efémera e desastrosa.

O marketing tem o poder de influenciar os consumidores, mas estes têm o poder de deixar de ser clientes. O poder na relação e nas transacções comerciais sobrevive e fortalece-se com o poder do outro, numa interdependência que exige cuidado equilíbrio, bom-senso e inteligência. São, por isso, demagógicas, as posições daqueles que defendem um discurso miserabilista sobre os consumidores, atribuindo ao marketing todas as malfeitorias. Consciente ou inconscientemente, confundem a nobreza dos seus objectivos com o aproveitamento ilegítimo que alguns fazem dele.


Rodoviária
José Rafael Nascimento

Li, com expectativa, a resposta da administração da Rodoviária do Tejo à carta do leitor Jorge Neto. Identifico-me completamente com as suas reclamações, porque também vivi e constatei casos semelhantes aos relatados. Num artigo de opinião anterior, chamei a atenção para a importância do terminal rodoviário da cidade, o qual se apresenta “escuro, apertado e sem condições adequadas de embarque e desembarque, onde os passageiros nunca sabem as horas efectivas de chegada e de partida”. Neste contexto, considerei inoportuna a instalação do painel de azulejos de Bordalo, o qual merecia maior dignidade.

Acrescentava, nesse artigo, que “por vezes os sanitários estão imundos, os utentes entram e saem pelos mesmos acessos dos autocarros e até já se viu passageiros a embarcar na garagem durante o abastecimento das viaturas”, para concluir com “a má qualidade de alguns autocarros que, além de desconfortáveis, se avariam pelo caminho, a falta de simpatia e de cortesia de alguns funcionários e a total ausência de informação sobre a cidade”. Face a estes problemas, a resposta da empresa só pode ser uma desilusão.

A administração da Rodoviária do Tejo insiste num padrão terceiro-mundista de serviço, classificando como bom aquilo que o leitor demonstra, inequivocamente, que não presta. Depois, refugia-se numa atitude defensiva do tipo “fuga para a frente”, prometendo vagas melhorias que não especifica nem dá garantias de cumprir. Finalmente, copia a conhecida estratégia “socrática” de sugerir que poderíamos estar pior do que estamos, pelo que nos devemos dar por satisfeitos. Tudo muito lamentável, servido num estilo porreirista e com abundante creme amaciador.

Na verdade, interessa muito mais ao público saber o que a empresa projecta fazer, em concreto, para melhorar os seus serviços, do que ler comoventes expressões como “é com o maior prazer e humildade”, “o cliente teve o trabalho e a amabilidade”, “agradecemos e valorizamos”, “continuamos a contar com o enorme bom senso dos nossos clientes”, “não descansaremos enquanto tivermos clientes insatisfeitos”, “consideramos fundamental a existência de concorrência”, “queremos sempre melhorar”, etc.

Finalmente, a cereja em cima do bolo: a empresa vitimiza-se, acusando um tenebroso e misterioso “sistema” de impedir a concorrência leal no sector dos transportes públicos, com o qual seríamos todos coniventes. Poupem-nos! O que os cidadãos caldenses querem, bem como todos aqueles que pretendem visitar as Caldas da Rainha, é tão-somente uma oferta de transportes civilizada, a nível de meios, circuitos, horários, serviços, tarifas e equipamentos. A situação actual é insustentável e, por isso, é necessário lutar contra ela, exigindo responsabilidades aos actuais operadores e organismos de tutela.


Leitura
José Rafael Nascimento

Quando se muda de casa, as empresas fornecedoras de electricidade, água e gás – sempre as mesmas, porque a condição de monopólio ou oligopólio agrada-lhes, a elas e ao Estado, mas não aos consumidores – exigem, para o cancelamento dos contratos, a apresentação da leitura dos respectivos contadores. Esta é uma condição indispensável para procederem em conformidade, fazendo parte da rotina dos profissionais de atendimento ao público.

Questionadas sobre os fundamentos de tal requisito, as referidas entidades tiveram de reconhecer o que se suspeitava: não existe qualquer legislação que obrigue o consumidor a proceder à leitura do contador da água, electricidade e gás. Deste modo, a exigência dos serviços é ilegal, podendo apenas solicitar essa colaboração voluntária do utente, esclarecendo-o sobre as vantagens que isso lhe pode proporcionar.

O combate à burocracia, bem como à prepotência do Estado e das empresas suas protegidas, está para durar. Por cada medida tomada no âmbito do auto-glorificado Simplex, há duas ou três que nascem nos “Complexes” instalados nas cabeças de demasiada gente, a nível individual e colectivo, público e privado, com maior ou menor autoridade. Porque a burocracia é sinónimo de poder, e o poder sinónimo de ganhos próprios, tantas vezes ilegítimos.

E, depois, a inércia ajuda a manter aquilo que um dia fez sentido, mas já não faz, enquanto o gosto e a vontade de complicar entranham-se nas mentalidades, sobretudo dos mais frustrados e ignorantes: “Se posso complicar, porque hei-de fazer simples?!”. Ademais, as soluções complexas impressionam e, nesta cultura indigente que nos condiciona, são até sinónimo de inteligência e competência.

Como José Régio, não queiramos ir por aí, mesmo não sabendo por onde ir. Exijamos compreender as coisas, os seus fundamentos e objectivos, sejam eles reais ou simbólicos. Questionar é preciso, ainda que para confirmar o que está bem ou não se pode fazer melhor. Por isso, questionemos também a obrigatoriedade da leitura dos contadores, só concedendo a tal exigência se se provar que assim se vencerá a batalha da literacia e do gosto pelos números.


Normas
José Rafael Nascimento

Os processos de trabalho são regidos por normas, as quais definem procedimentos, cargas de trabalho e tempos de execução. As normas regulam também comportamentos, constituindo um elemento essencial de cultura. Nas organizações mais estruturadas, as normas são definidas centralmente e formalizadas por escrito. Na maioria das empresas, contudo, as normas são orais e ditadas pelo patrão, podendo também emergir como regras implícitas a partir das práticas laborais e da interacção social.

O processo de definição e gestão de normas de trabalho e de comportamento, é da maior importância para as organizações, grandes e pequenas. Ao contrário dos princípios, como lembrou um dia Franklin Roosevelt, as normas não são necessariamente sagradas. Todavia, são úteis para regular e uniformizar o trabalho e as relações laborais, tenham a ver com o serviço ao cliente ou com processos internos de backoffice. Fica, assim, facilitada a aprendizagem, o desempenho e a avaliação dos trabalhadores, bem como o esclarecimento dos clientes.

As normas requerem a previsão de excepções, uma vez que a realidade é demasiado diversa e complexa para caber em algumas regras. Exigem, também, um cuidado permanente de actualização, porque a realidade evolui a um ritmo que as torna rapidamente obsoletas. Por outras palavras, as normas devem ajudar a resolver problemas e não a criá-los, pois elas tanto servem aos sábios para se guiarem, como aos ignorantes para lhes obedecerem e aos oportunistas para delas se aproveitarem.

A pertinência da adopção de uma norma, não depende apenas das vantagens que apresenta, devendo ser feita uma análise custo-benefício que tome em conta os efeitos indirectos ou “escondidos”. Ou seja, uma norma só é adoptada quando se prova que os benefícios esperados são superiores aos custos previstos, não sendo inteligente, nem honesto, olhar apenas para uns ou para outros. Além de que não faz qualquer sentido formalizar normas para situações de puro bom senso.

Aprovadas as normas, importa comunicá-las com eficácia, interna e externamente (se for o caso). Os profissionais que contactam os clientes, devem conhecê-las bem, preparando-se igualmente para os casos de excepção. Ainda assim, podem surgir situações inesperadas, devendo, nestes casos, incorporar as decisões tomadas no sistema de normas em vigor e divulgá-las por toda a organização. Por tudo quanto se disse, fica patente a necessidade de se dar mais atenção à definição e gestão das normas de trabalho e comportamento.


Desemprego
José Rafael Nascimento

Vivemos momentos excepcionais que exigem de todos um empenho excepcional. Por motivos que cada um entenderá como suas convicções, a economia de Portugal está na penúria e uma parte significativa da sociedade – e não só a mais frágil e vulnerável – numa indigência mais ou menos declarada. Tenho para mim que a responsabilidade maior deve ser partilhada entre aqueles que enganaram e os que se deixaram enganar na escolha dos governantes, sobretudo na última década e meia, bem como por aqueles que se têm demitido das suas obrigações de cidadania, cuidando exclusivamente dos seus interesses pessoais.

Tivemos, na década de 90, a derradeira oportunidade de fazer as reformas económicas que se impunham, para as quais alertou Michael Porter no seu estudo sobre a competitividade da economia portuguesa. Não foram feitas! Tivemos, nos últimos dez anos, a oportunidade de fazer a tão necessária e postergada reforma do Estado e da Administração Pública. Não se fez! Não aproveitámos as estreitas janelas de oportunidade que tínhamos e agora estamos a pagar uma pesada factura, como era de prever e muitos alertaram para isso. Poucos se importaram! O leite derramou-se e, agora, não vale a pena chorar. As energias que nos restam devem ser usadas, com racionalidade, na busca de soluções eficazes para os problemas, sem prejuízo das responsabilidades, políticas e criminais, que deveriam ser exigidas a quem pecou por acção ou omissão.

O que fazer, então? Parte da resposta foi dada acima, no que diz respeito à reestruturação profunda da economia e do Estado, doa a quem doer. Mas, ao nível local, também se pode fazer muito, e o emprego é a primeira das prioridades. O pródigo Estado já mal consegue cumprir a sua função social, deixando o governo cair a sua esfarrapada bandeira da “sensibilidade social”. Tem, por isso, de ser a sociedade a mitigar a tragédia do desemprego e da pobreza, mobilizando-se para iniciativas extraordinárias que permitam ganhar tempo, enquanto se aguardam os resultados das ditas reformas que, obviamente, deverão ser lideradas por outros. Referimo-nos, claro, às situações de verdadeira carência, e não aos casos de oportunismo de quem se vale da desgraça alheia para obter ganhos ilegítimos ou manter estilos de vida ociosos.

Iniciativas solidárias contra o desemprego e a pobreza, é o que se exige de todas as instituições e cidadãos, amplamente divulgadas pelos meios de comunicação locais. Que cada um tenha uma ideia, crie um projecto, desenvolva uma iniciativa. Que se poupe onde for possível, se angariem patrocínios e se crie nova riqueza. Que se abram contas solidárias, se recolham bens novos e usados, e se aproveitem serviços voluntários à comunidade. Que cada estabelecimento de comércio e serviços, cada empresa industrial e agrícola, cada instituição pública e social, ocupe de forma útil mais um trabalhador ou prestador de serviços, a tempo inteiro ou parcial.

A segurança pública, a assistência social, a conservação urbana e o apoio turístico, são apenas alguns exemplos do muito que pode ser feito. Grandes ou pequenas, todas as acções são necessárias e bem-vindas, disseminadas pelas freguesias e localidades, sectores e ramos de actividade, empresas e colectividades. A autarquia, as associações empresariais, culturais e de solidariedade, e outros movimentos de cidadãos, devem dar o exemplo, liderando uma demonstração de criatividade, inovação e determinação no combate ao desemprego e à pobreza. É, não só uma obrigação, como também uma oportunidade. Está nas nossas mãos, se houver vontade e capacidade de organização.


Natureza - fábula I
José Rafael Nascimento

A fábula “o monge e o escorpião” é de enorme utilidade para a função atendimento. Para quem não a conhece, resumo-a aqui: estava o monge junto ao rio, quando viu um escorpião ser arrastado pela corrente, Sem hesitar, atirou-se à água e agarrou-o, salvando-o. De seguida, o escorpião picou-o e o monge deixou-o cair novamente à água. Inconformado, procurou um ramo de árvore e voltou a socorrer o animal, desta vez com sucesso. Perplexos, os noviços que o acompanhavam questionaram-no sobre o motivo de insistir em salvar quem lhe tinha feito mal, revelando ingratidão, ao que o monge respondeu que cada um faz aquilo que é da sua natureza.

Na vida, somos frequentemente confrontados com atitudes maldosas, por vezes daqueles em quem confiamos, despertando em nós o desejo de responder na mesma moeda. O princípio da reciprocidade é inerente à condição humana, no que esta tem de mais primário. Contudo, os valores que adquirimos, em particular os da empatia e compaixão, podem levar-nos a agir de modo diferente, sob pena de não nos sentirmos bem com a nossa consciência. Por outro lado, sabendo-se que “comportamento gera comportamento”, a opção poderá ser por um comportamento moral ou profissionalmente superior, que influencie o comportamento do outro. Na vida particular, dependerá de cada caso concreto, mas, no mundo profissional, esta deverá ser uma regra absoluta.

Damos demasiada importância ao comportamento dos outros, na medida em que damos de menos ao nosso próprio comportamento. Em demasiados casos, revelamos pouca tolerância para com quem é, ou se comporta, de modo diferente, ou seja, à diversidade social. Tudo isto é possível no foro pessoal, mesmo se errado, mas inadmissível no foro organizacional e profissional. Neste, deverá fazer-se aquilo que tem de ser feito, da maneira como deve ser feito. Existe um código de conduta, explícito ou implícito, que é obrigatório respeitar. Senão, corre-se o risco de perder clientes – os directamente afectados e todos aqueles a quem será passada- palavra negativa – e, consequentemente, as receitas de que o negócio tanto necessita para sobreviver e desenvolver-se. Ou, como dizia Fernando Pessoa, “o comerciante [enquanto comerciante] não tem personalidade, tem comércio”.


Natureza - fábula II
José Rafael Nascimento

Nesta fábula, mantém-se a figura do escorpião e o monge é substituído pela rã. Não porque se entenda que a natureza humana deva ser representada por tão traiçoeiro animal, ou que um monge possa ser comparado a uma rã, a não ser no seu carácter pacífico e respeitoso da natureza, mas porque a fábula “a rã e o escorpião” interessa a todos os empresários e profissionais. Resumidamente: o escorpião pede à rã para o levar até à outra margem do rio. Conhecendo o seu carácter, a rã recusa-se, sugerindo que durante o percurso seria injectada com o seu letal veneno. Mostrando-se surpreendido, o escorpião lembra a rã de que, se a picasse, também ele se afogaria. A rã aceita o argumento e decide transportá-lo. A meio do percurso, o escorpião pica a rã. Esta, moribunda, ainda tem forças para lhe dizer “tu assim também vais morrer, o teu comportamento não tem lógica!”, ao que o escorpião responde “eu sei, mas é da minha natureza.”

O eminente académico Douglas McGregor, estudioso das organizações, desenvolveu as teorias motivacionais X e Y, afirmando que a natureza humana tem características positivas ou favoráveis que devem ser valorizadas (Y) e características negativas ou desfavoráveis que devem ser condicionadas (X). É o contexto que determina, em grande medida, a preponderância de umas ou de outras, nele se devendo investir um esforço significativo, em termos de planificação, organização, direcção e controlo. Isto, sem prejuízo da responsabilidade que cada indivíduo deve assumir pelo seu comportamento, nomeadamente quando este se reflecte negativamente nos outros. De outro modo, passaria impune a atitude do Visconde de Valmont (John Malkovich), no filme Ligações Perigosas, o qual não se cansava de repetir “it´s beyond my control!”

Nas relações organizacionais e profissionais, tal como nas humanas em geral, os resultados obtidos são muitas vezes do tipo “lose-lose”, em que as partes perdem, podendo ganhar se cooperassem e negociassem de forma inteligente. De facto, o individualismo, a inveja e o ciúme limitam fortemente o potencial empreendedor de muitos, que melhor fariam em se unir e trabalhar em conjunto, com vantagens mútuas (win-win). Depois, permite-se que sentimentos negativos interfiram e se sobreponham à racionalidade do interesse próprio, chegando a afirmar-se “eu perco, mas tu também perdes!”. Finalmente, arroga-se o direito de interferir nas opções legítimas dos outros, até mesmo do foro privado, alardeando-se uma pretensa superioridade moral que, afinal, esconde fraco carácter. Tal como o escorpião, por ser da sua natureza.


Marcas
José Rafael Nascimento

Parafraseando um anúncio da actualidade, “Podíamos viver sem marcas? Podíamos, mas não era a mesma coisa!”. As marcas são elementos distintivos da oferta económica e social de uma loja, fabricante, sector ou região. As marcas identificam, caracterizam, associam, diferenciam, garantem e valorizam produtos e serviços, em termos individuais ou agregados, facilitando a escolha do consumidor e fidelizando-o. No caso do marketing pessoal, a marca é o próprio nome e pessoa do profissional, a sua assinatura e imagem. Como alguém disse, mais do que uma palavra ou símbolo, a marca deverá ser o início de uma boa conversa!

As marcas, de produtor ou distribuidor, são protegidas por um registo, o qual garante a sua propriedade e exclusividade. O valor das marcas pode atingir tal montante, que chega a ser superior ao total dos activos que representam – de acordo com a Interbrand e a BrandZ (utilizando metodologias diferentes), a Coca-Cola e a Google são hoje as marcas mais valiosas do mundo, atingindo 68 e 114 biliões de dólares, respectivamente. Para Philip Kotler, o académico mais estudado no domínio do Marketing, a principal competência dos profissionais de marketing é a de criar, manter, proteger e melhorar portefólios de marcas.

Na minha opinião, a região Oeste ganha em desenvolver uma marca própria, credível e prestigiada, que alcance uma elevada notoriedade. Esta marca “umbrella” deveria ser construída a partir de tudo aquilo que o Oeste tem de distinto e notável, identificando-se um denominador comum que funcionaria como “leitmotiv” do seu posicionamento (já existente ou a criar). Por seu lado, as marcas credenciadas de bens e serviços produzidos na região, bem como do seu património natural e edificado, exibiriam, associada, a marca Oeste, acrescentando mutuamente valor, uma estratégia conhecida por “co-branding” ou parceria de marca.

Por muito que surpreenda quem cá vive, a marca Oeste é praticamente desconhecida dos públicos-alvo. Os consumidores de Lisboa, Porto e demais regiões, ou não sabem o que é o Oeste, ou não lhe atribuem características distintivas. Mais, não se percebe a quem compete criar e gerir a marca Oeste, nem parece existir uma estratégia consistente, coordenada e determinada para a construir. Ora, para haver uma marca Oeste forte e reputada, é essencial que haja união e cooperação entre os municípios e actividades que integram a região, e que seja concebido e concretizado, com mais ou menos recursos, um plano de comunicação eficaz.

Finalmente, lembrar que uma marca regional forte só é sustentável desde que se apoie em marcas de produtos, serviços, empresas e instituições, com grande qualidade e prestígio. Não se compreende, por exemplo, que Caldas da Rainha não tenha pratos típicos conhecidos na sua rica gastronomia, não valorize suficientemente a sua doçaria tradicional ou pareça ter vergonha das suas irreverentes “malandrices”, como se o património histórico se limitasse ao erudito e “politicamente correcto”. De facto, é enorme o potencial para criar e explorar marcas emblemáticas (âncora), em que se apoiem todas as outras, bastando juntar três ingredientes essenciais: estratégia, design e comunicação.


Hipers
José Rafael Nascimento

Depois de ter permitido, nos últimos anos, o surgimento de novas grandes superfícies um pouco por todo o país, o governo decidiu agora delegar nas autarquias a autorização para a abertura das grandes superfícies comerciais diariamente das 6h às 24h, incluindo domingos e feriados, prerrogativa que os municípios já tinham no caso dos estabelecimento com menos de 2000 m2. Para quem tanto tem alardeado a sua oposição ao “neoliberalismo”, o que quer que isso signifique, tal decisão não deixa de surpreender, tal como pasma o argumento de que a medida visa “facilitar a vida aos cidadãos”, permitindo a conclusão de que então esta era propositadamente dificultada! Onde param as objecções ao consumismo desenfreado, à falta de tempo para a família e a cultura, à descaracterização das cidades, etc.?!

As posições dividem-se, contra ou a favor, consoante os interesses de cada grupo social, profissional e institucional, havendo quem hesite pelo facto de desempenhar papéis contraditórios. A iniciativa é apoiada pelas empresas distribuidoras e pela maioria dos consumidores, discordando os pequenos comerciantes, a igreja e os partidos à esquerda do PS. Hesitam os desempregados, que tanto vêem nela uma oportunidade de emprego, como a inevitabilidade de condições de trabalho precárias. Prevalecem, no entanto, as posições individuais, uma vez que a questão está imbuída de forte carga ideológica, nem sempre traduzida de forma coerente na praxis de cada um.

Os argumentos variam, dos económicos e funcionais, aos sociais, culturais, éticos e religiosos, geralmente demagógicos, infundados e facciosos. O que pensar da afirmação despudorada do ministro da Economia de que “a questão da dimensão era uma excepção que não tinha qualquer racionalidade ou razão de ser, e não correspondia nem aos anseios dos consumidores nem a uma concorrência sã”, como se nunca tivesse defendido o contrário?! O que dizer da afirmação paradoxal do presidente da Confederação do Comércio e Serviços de que “a produtividade das grandes superfícies é maior do que a das pequenas e isso destrói postos de trabalho”, como se não fosse vital o aumento da produtividade?! Como reagir à afirmação falaciosa do Bloco de Esquerda de que “desde 2005 o emprego no comércio tem diminuído, apesar da proliferação das grandes superfícies”, como se não existissem outros factores?!

Sem prejuízo do bem comum, sou pela livre escolha dos cidadãos e, consequentemente, dos consumidores. Ninguém é obrigado a ir às compras aos domingos e feriados, mas, se quiser fazê-lo, deve ter essa possibilidade. Aliás, o comércio sempre se realizou ao domingo (a primeira-feira) quando as gentes do campo desciam às cidades para se abastecer e socializar, participando em actos religiosos e actividades culturais. O que não se praticava era o comércio nocturno, que hoje ninguém contesta, assim como nada se diz das numerosas actividades realizadas à noite e ao fim-de-semana, de que não abdicamos, nas áreas da saúde, segurança, transportes, comunicações, restauração, hotelaria, entretenimento, etc.

Inegavelmente, existem custos importantes a suportar pelos empresários e trabalhadores do comércio tradicional: o sacrifício do seu bem-estar, se acompanharem o horário das grandes superfícies, e a diminuição das vendas, se a abertura das grandes superfícies não produzir um efeito de sinergia ao atrair mais consumidores à zona. Estes custos, com significativo impacto no emprego (muitas vezes de familiares) têm, na minha opinião, de ser justamente compensados, tanto pelas entidades licenciadoras como beneficiárias, em termos transitórios e definitivos. Não com as mesmas medidas rígidas e desajustadas com que o governo promete “continuar a apoiar” o comércio tradicional, mas com múltiplas soluções à medida, ambiciosas e inovadoras, acordadas caso a caso com cada comerciante.

Neste contexto, parece-me essencial a realização de uma auditoria ao fundo criado a partir da lei do licenciamento comercial (lei 12/2004), com base no qual as grandes superfícies terão financiado, entre 2006 e 2009, mais de 4000 projectos de modernização do pequeno comércio e suas associações. De acordo com o ministério da Economia, foram investidos naquele período 114 milhões de euros e criados 5500 novos postos de trabalho, a que se devem juntar os criados nas grandes superfícies entretanto inauguradas e, agora, os 2000 novos empregos prometidos pelo governo em consequência do alargamento do horário de abertura. Ignora-se, contudo, o número de postos de trabalho perdidos pelas mesmas razões e não se conhece nenhum estudo sério sobre os efeitos directos e indirectos da abertura de grandes superfícies comerciais.

Há muito que o pequeno comércio de rua sente o peso do progresso e da modernidade. As dificuldades têm a ver, por um lado, com a falta de adaptação atempada às inovações introduzidas pelos novos formatos comerciais, e, por outro lado, com o inegável poder de escala que estes detêm, designadamente em matéria de recursos financeiros e capacidade de negociação. O primeiro desafio enfrenta-se com o aumento das competências e a adopção de uma nova atitude por parte dos pequenos comerciantes, enquanto o segundo passa pela maior união e cooperação entre os mesmos, pois não há maior superfície comercial em Portugal do que os comerciantes unidos. De qualquer forma, obriga a verdade a reconhecer que um certo ajustamento é inevitável, acabando as diversas formas de comércio por ocupar o espaço que o mercado lhes destinar.


Crise
José Rafael Nascimento

Chama-se crise àquilo que os economistas designam por recessão, se curta e superficial, ou por depressão económica, se longa e profunda, um período de redução das vendas e do crescimento, da produção e do emprego, dos salários e dos lucros. Diminui o comércio externo e o crédito, aumentam os juros e as dívidas de pessoas colectivas e singulares. Sendo um conceito macroeconómico, ele tem pouca utilidade para cada empresa ou indivíduo em concreto, apesar do seu interesse mediático. Na verdade, os períodos de crise são também períodos de grandes oportunidades, devido à mudança de hábitos e prioridades de consumo, à falência de empresas menos eficientes, ao redobrar dos esforços de gestão, entre outros factores.

Assim, para cada organização e profissional, o conceito que interessa é o de “oportunidades e ameaças”, e estas existem sempre, independentemente de se estar em período de recessão ou de expansão. Todas as atenções devem estar centradas nas oportunidades e nas ameaças que podem surgir, tirando partido das condições que se apresentem. Para tal, requer-se abertura de espírito, visão e flexibilidade, realinhando constantemente o negócio com o mercado e gerindo, com parcimónia, os recursos disponíveis. De salientar a necessidade de mente aberta, dotada de raciocínio lateral, criativo e inovador, ou seja, capaz de pensar e realizar “fora do quadrado”.

Dois erros são frequentemente cometidos. O primeiro é dar excessiva importância às ameaças, consumindo nelas demasiadas atenções e preocupações, o que leva a desinvestir nas oportunidades, que passam ao lado ou não são devidamente exploradas. O segundo é ficar à espera das oportunidades sem nada fazer para que elas apareçam, pois as oportunidades podem e devem ser procuradas e até mesmo criadas. Pôr-se em campo, contactar, pesquisar, dar-se a conhecer, escutar, reflectir, sugerir, sonhar, enfim, adoptar uma postura proactiva que contrarie a passividade, a indiferença, o imobilismo e a desmotivação.

Albert Einstein defendia que “não se pode resolver os problemas usando o mesmo tipo de raciocínio que os criou”. Por isso, ou se muda o pensamento e as ideias, ou se muda as pessoas que os conservam. Para mudar, é preciso querer, dispor-se. Depois, é preciso poder, ter condições. Finalmente, é preciso saber como fazer, aplicando as metodologias disponíveis. Pior do que a crise económica do país, é a crise que se instala na cabeça das pessoas, limitando-as nas suas actividades e iniciativas. A que se seguem as costumeiras desculpas para nada se fazer. Como diz o humorista argentino Martín Favelis, “a crise é a arte de converter em alheios os próprios erros”.


Soluções
José Rafael Nascimento

Mete impressão, este impasse que se vive. Mete impressão que, perante as dificuldades que se enfrentam, não se veja adequada reacção. Não se vê uma procura de clarificação política, não se vê uma mobilização dos recursos disponíveis, espera-se, simplesmente, que a crise passe e que melhores tempos venham, sem que tenhamos de fazer por isso. Tudo depende dos outros, tudo depende do destino, nascemos para sermos o que somos.

Alguns desconhecem a realidade, outros insistem em negá-la. Respira-se um ar pesado, de insegurança e desorientação. Há uns meses, muitos não percebiam a gravidade da situação, hoje muitos não sabem como sair dela. O medo paralisa e gera atitudes irracionais. Espera-se o milagre, o fim do sonho mau. O anormal vai-se tornando normal, já não surpreende nem choca, aceita-se com complacência.

Liderança, não se vê. Gere-se o dia-a-dia, faz-se de conta. Quanto menos se aparece, melhor. Distrai-se o próprio e os outros, dá-se ares de muita ocupação sem fazer nada. As responsabilidades são atiradas para terceiros, para a crise, para o sistema. Não há autocrítica, reconhecimento dos problemas. Mente-se, ilude-se, entretém-se com manobras dilatórias. Insiste-se em modelos ultrapassados, direitos insustentáveis, novas utopias.

E, afinal, as soluções são tão claras e tão simples. Precisamos de tomar a iniciativa, unir esforços e definir objectivos. Precisamos de fazer melhor aquilo que já fazemos bem, sermos mais eficientes e produtivos. Precisamos de puxar pela cabeça, inovar e arriscar. Precisamos de sair das zonas de conforto, não ter medo de mudar, partir para outros destinos e explorar novas oportunidades. Precisamos de aprender a viver com menos, sem deixarmos de ser felizes. Precisamos de estabelecer prioridades, saber escolher e rejeitar.

Temos, também, de aprender línguas, saber usar o computador e a Internet. Temos de diversificar as competências e descobrir novos saberes. Não ter medo de errar, pois só não erra quem não faz e é com os erros que se aprende. Vergonha é não tentar, viver com a mão estendida, acomodar-se e aceitar a dependência. Temos de diversificar as relações, conhecer novas pessoas, confiar e participar. Temos de ler mais, ler outras coisas, alargar os horizontes, sonhar.

Precisamos de conversar uns com os outros, deixar de dizer mal, de deitar abaixo. Precisamos de aceitar e valorizar as diferenças, juntar pessoas, reunir competências e pontos de vista. Precisamos de separar o principal do acessório, ter foco e empenho em concretizar. Precisamos de ser responsáveis, exigentes e competitivos. Precisamos de acreditar mais em nós, nos nossos recursos e capacidades. Precisamos de ser realistas, agir, fazer acontecer. Precisamos, finalmente, de esperança e motivação, porque os próximos anos vão ser ainda mais difíceis.


Paradigma
José Rafael Nascimento

Assisti, há dias, a um colóquio sobre a crise e suas origens, promovido pela comunidade paroquial da Foz do Arelho. Excelente iniciativa, com muita e diversificada assistência. Ficou clara a saudável divergência de opiniões entre os principais oradores, replicada nas intervenções do público presente: uns acusando o “neoliberalismo” americano e clamando pela intervenção ampla do Estado, outros apontando as debilidades internas e apelando à iniciativa e responsabilidade dos cidadãos. Reflexo da tradicional fractura esquerda-direita, ou da dicotomia externo-interno do “locus de controlo”(1), determinando dois quadros mentais de leitura e gestão da realidade?

Revejo-me essencialmente na segunda das perspectivas, não por razões meramente ideológicas, mas pela análise atenta do que vai acontecendo no país: as debilidades estruturais da economia portuguesa já cá estavam antes da crise internacional nos afectar e a primeira dessas debilidades, aquela que, na minha opinião, determina todas as outras, é a cultura societal e organizacional dominante. Na verdade, a falta de competitividade e de preparação da nossa economia para enfrentar a crescente concorrência internacional, é reconhecida há pelo menos duas décadas. Michael Porter, um dos maiores especialistas mundiais em estratégia foi, na altura, pago a peso de ouro para nos recomendar medidas concretas e urgentes a tomar. Não tomámos.

Por outro lado, no que à cultura diz respeito, recordo o trabalho do eminente académico Geert Hofstede, o qual traçou nos anos 70 o perfil dominante da cultura portuguesa (entre 74 culturas nacionais e regionais estudadas): elevada aceitação do poder e da desigualdade (PDI - Índice de Distância do Poder), elevada pertença e integração grupal (IDV - Individualidade), reduzida assertividade e competitividade (MAS- Masculinidade), reduzida propensão ao risco, incerteza e ambiguidade (UAI - Índice de Evitação da Incerteza) e maior preocupação com a tradição e imagem do que com a ponderação e perseverança (LTO - Orientação de Longo Prazo).

Há cerca de oito anos, a consultora Ad Capita IS e a Cranfield School of Management publicaram um estudo conjunto sobre a competitividade da gestão portuguesa, concluindo que ela é pobre, desorganizada e ineficaz: temos demasiada burocracia e improvisação, falta-nos pensamento estratégico e orientação para o cliente, comunicamos e trabalhamos mal em equipa, gerimos mal o tempo e não assumimos as responsabilidades, sendo estas conclusões partilhadas por gestores portugueses e estrangeiros a trabalharem em Portugal. O estudo não esclarecia, contudo, a dúvida subsequente: se temos consciência das nossas fraquezas, porque não as superamos?

Relativamente ao pressuposto desta pergunta, não estou certo de que tenhamos todos plena consciência da natureza e origem do que está mal, pois tendemos a culpabilizar os outros e a comprar ilusões. O problema maior reside, no entanto, na nossa resistência à mudança. Sendo a cultura um modo colectivo de pensar, sentir e agir, é nestas três dimensões que a mudança deve ocorrer, permitindo-me destacar a primazia da vertente emocional. É no domínio da confiança social, da auto-estima e da empatia que reside o nosso maior desafio, vindo depois o da formação e qualificação e, finalmente, o da vontade e oportunidade de mudar. Com a consciência de que existe um modo de ser português, cujos traços positivos devem ser valorizados e os negativos condicionados.

Como enfrentar estes desafios, o que pode determinar a mudança cultural necessária? Estou convicto de que o factor essencial é a competitividade. Precisamos urgentemente de ter um ambiente mais competitivo no país e nas organizações, em todos os sectores e a todos os níveis, incluindo nos domínios da liderança e da gestão. Precisamos de reduzir radicalmente a burocracia, o proteccionismo, o compadrio e a corrupção, defendendo a concorrência, a transparência., a iniciativa e o mérito. Precisamos de atrair, apoiar e motivar pessoas com um perfil de excelência, cultura progressista, mente aberta, visão e competência, que nos ajudem a “sair do quadrado”. Não se trata de apelar a putativos iluminados que venham impor-nos um mundo perfeito, mas sim de exigir maior responsabilidade a nós próprios e a quem nos dirige, envolvendo-nos decididamente na determinação dos destinos do nosso país e das organizações a que pertencemos. Isto assusta e penaliza quem está instalado e acomodado? Talvez, mas tem de ser.

(1) Grau em que o indivíduo considera que o que lhe acontece na vida é ou não consequência das suas acções.


Preço
José Rafael Nascimento

O preço é o valor pedido ao cliente como contrapartida de uma oferta comercial que o vendedor lhe propõe. O que pretende o vendedor? Receber um valor superior ao que oferece ao cliente. O que pretende o cliente? Receber um valor superior ao que dá como contrapartida ao vendedor. Ou seja, vendedor e cliente pretendem, ambos, maximizar a diferença entre o valor oferecido e o recebido. Isto é possível, porque o valor tem uma natureza subjectiva, a maioria das vezes de natureza emocional e social, que é decisiva. Deste modo, vendedor e cliente consideram, em simultâneo, que ganham, porque aquilo que entregam tem, para si, menor valor do que aquilo que recebem. É um resultado “win-win”, o único que interessa nas transacções comerciais.

As compras e as vendas efectuam-se, assim, em função do diferencial de valor percebido, sendo a decisão tanto mais fácil quanto maior for esse diferencial a favor de cada uma das partes. Ou seja, para o cliente aumentando o valor da oferta ou diminuindo o montante do preço; para o vendedor, o contrário, negociando-se até se atingir um ponto de acordo, em que a regra de ouro é exigir sempre uma contrapartida por cada cedência. Qual é, então, a melhor estratégia comercial? Não é, certamente, a que mais se usa (e abusa) pela sua facilidade, a de reduzir o preço sem que o cliente dê algo em troca. Os descontos só se dão em duas circunstâncias: quando o cliente compra maior quantidade e quando paga pronta ou garantidamente. É no aumento do valor da oferta, contudo, que reside o segredo dos bons negócios: o cliente fica melhor servido e o vendedor não perde no lucro auferido. Dá mais trabalho? Dá. Requer mais criatividade? Sim. Mas, para que serve o comércio? Para ganhar ou para perder dinheiro?

Designa-se por “marketing de valor” o processo de acréscimo contínuo de valor à oferta comercial, enriquecendo-a aos olhos dos clientes. Como é que isso se faz? Ajuntando ao produto-base outros atributos ou benefícios, diferenciando da concorrência, formando conjuntos de produtos, melhorando as embalagens e oferecendo sacos vistosos, criando marcas de prestígio, associando celebridades e apondo a sua assinatura, agregando serviços, proporcionando experiências e emoções, estabelecendo parcerias com outras entidades e comunicando com foco, competência e entusiasmo. A venda baseada na redução do preço é, não só um facilitismo perigoso, como também um vício que deve ser combatido. Coisa diferente, porém, é a pequena atenção que se faz ao cliente, um elemento cultural que pode e deve ser tido em conta.


Equipa
José Rafael Nascimento

Existem várias razões para trabalhar em grupo, quando o trabalho individual não é a melhor opção. A quantidade e a diversidade do trabalho a realizar, bem como a dispersão dos locais de prestação dos serviços, podem impor a necessidade de trabalhar colectivamente. Mesmo quando não seja considerado imprescindível, juntar competências e capacidades diversas, gerando com isso uma dinâmica positiva, pode constituir uma vantagem competitiva a não desprezar. E o segredo reside exactamente nessa dinâmica de grupo, que transforma o colectivo em equipa e lhe confere um valor superior à soma dos valores médios individuais – a sinergia que permite a pessoas comuns alcançarem resultados extraordinários.

Em equipa, o trabalho divide-se e torna-se mais leve, multiplicando-se a probabilidade de sucesso. Contudo, trabalhar em equipa requer a verificação de um conjunto de pressupostos, sendo o mais relevante o “espírito” que lhe é inerente, relacionado com envolvimento, implicação, compromisso e vinculação. Ter espírito de equipa (ou de corpo) e demonstrá-lo na prática diária, é estabelecer uma relação empática e emocional com os demais membros do grupo, entregando-se à concretização dos objectivos comuns com dedicação e entusiasmo. Quando tal acontece, ouve-se mais a palavra “nós” do que “eu”, pois, como alguém disse, se esta é capaz de ganhar jogos, aquela vence campeonatos.

A criação e manutenção de um grupo que funcione em equipa depende, ainda, de outras dimensões, senão tudo se limitaria a um efémero arrebatamento. É preciso cuidar das pessoas e dos processos, definindo objectivos claros e partilhados, atribuindo papéis e normas de procedimento, comunicando de forma aberta e leal, promovendo o espírito de serviço e a entreajuda. A liderança deve saber ouvir e estimular a participação de todos, sem favoritismos, a avaliação e o controlo devem ser encarados com normalidade, começando nos próprios profissionais e nos clientes, as expectativas devem ser bem geridas, mantendo níveis elevados de satisfação e motivação. Finalmente, a pertença ao grupo deve forjar uma sólida identidade social, desenvolvendo-se uma cultura baseada em valores e artefactos de elevada exigência ética, pois quanto mais carácter tiver uma equipa menos precisará de estimulação.

Paralelamente, deverá prevenir-se a ocorrência de fenómenos negativos do trabalho em grupo, como sejam a unicidade de pensamento e ausência de sentido crítico, a diluição de responsabilidades e limitação de capacidades individuais, os atrasos decorrentes da busca de compromissos e decisões consensuais, a obstrução de circuitos e processos de serviço e, por vezes, a assunção irracional e temerária de riscos com base em perigosas dinâmicas de contágio emocional. Também a forte identidade e coesão dos grupos pode gerar disfunções, levando-os a privilegiar o interesse próprio em detrimento do interesse organizacional ou daqueles que deviam servir – os clientes. Surgem, então, as famosas “quintas” de interesses, que tanto prejudicam o desenvolvimento das empresas e instituições, assim como o serviço à comunidade, parecendo esquecer que num corpo fraco os membros definham.

 
Ferrovia
José Rafael Nascimento

Li, com atenção, a entrevista dada pelo novo presidente da CP a este semanário, esperando nela encontrar, finalmente, respostas concretas e fundamentadas para as muitas perplexidades com que os oestinos, e em especial os caldenses interessados no transporte ferroviário, se confrontam relativamente à linha do Oeste. O resultado traduziu-se, mais uma vez, numa enorme desilusão, tal como já acontecera com as declarações da administração da Rodoviária do Tejo, também aqui publicadas há algumas semanas. Parecem, aliás, farinha do mesmo saco, na vacuidade das afirmações produzidas e na sistemática fuga às responsabilidades. Até a tentativa de justificação das unidades de negócio da CP foi insuficiente para explicar porque é que no troço Caldas-S.Martinho se paga um preço diferente em cada sentido.

Resumidamente, o presidente da empresa diz que a linha existente não permite qualquer melhoria no actual serviço, estando a parceira Refer a estudar a modernização da linha a longo prazo, nomeadamente a sua duplicação e electrificação. Toda a entrevista se esgota na justificação desta posição, avançando-se duas razões principais: a falta de procura do serviço ferroviário, explicada pela concorrência da rodovia, e o facto de a linha ser de via única, com distribuição irregular das estações ao longo da mesma. Entretanto, uma entrevista vale, não só pelo que se diz, mas também por aquilo que não se diz, e nela nada se esclarece sobre os sempre adiados planos de modernização da linha do Oeste, sobre as promessas falaciosas do primeiro-ministro aos oestinos, ou sobre os indicadores de qualidade do serviço actualmente prestado, não se vislumbrando a mais ténue preocupação em procurar servir melhor as populações.

Relativamente às limitações da infra-estrutura, o presidente da CP usa meias verdades e contradiz-se em várias ocasiões, acabando por admitir que a actual linha tem uma taxa de ocupação de apenas 52%, estando praticamente inactiva entre o início da manhã e o final da tarde, atribuindo esta ineficiência à suposta baixa procura. E é aqui que “a porca torce o rabo”. Haverá, realmente, falta de procura? Se há, quais os motivos? Na verdade, a CP nunca divulgou qualquer estudo que confirmasse esta afirmação, limitando-se a olhar para as taxas de ocupação dos comboios, o que não prova de todo a inexistência de um mercado potencial. Como o presidente da CP bem sabe, sem oferta conveniente e bem comunicada, não pode haver procura interessada, verificando-se aquilo que os psicólogos designam eruditamente por “profecia auto-realizadora”.

A grande diferença entre uma entidade pública e uma privada, é que aquela está preparada para prestar serviços não lucrativos, sem prejuízo das boas práticas de gestão que deve adoptar. Argumentar-se que a linha do Oeste não tem comboios porque a procura é insuficiente (o que não está provado), é quase o mesmo que dizer que não se fornece serviços de correios, saúde, educação, água, electricidade ou gás a uma aldeia, pelo mesmo motivo. Aliás, o argumento cai definitivamente por terra quando se sabe que o projectado TGV não vai ter procura suficiente para ser rentável, prevalecendo outras razões de sustentação duvidosa. Tenho o maior respeito por quem trabalha e dá o melhor de si, mas fazer afirmações sem conhecer a realidade ou, conhecendo-a, procurar deturpá-la para justificar a inacção, não me parece aceitável. O que se depreende da referida entrevista é uma perspectiva terceiro-mundista do transporte público, sem ambição, acomodada e resignada.

Não é preciso ser especialista em transportes ferroviários para perceber que a taxa de ocupação pode ser incrementada, os horários aperfeiçoados, o período de manutenção da linha reduzido, o tempo de paragem nas Caldas abreviado e o conforto e limpeza das carruagens melhorado, o mesmo acontecendo com a qualidade do atendimento e as condições de espera nas estações, onde até os bancos são em número insuficiente. É absolutamente lamentável, por exemplo, a frequência e o horário do comboio aos fins-de-semana, no Verão, entre Caldas e S. Martinho, circulando as carruagens com os vidros completamente sujos, ou o caso das bandeiras que não foram colocadas a meia haste aquando do luto nacional por José Saramago (ver fotos), mostrando bem o desinteresse da CP pela região e, pelos vistos, por todo o país: a CP perdeu 5,85 milhões de passageiros desde o final do primeiro semestre de 2008, ao contrário do que se verificou com todos os outros transportes públicos.

 
Simplicidade
José Rafael Nascimento

Porque complicamos aquilo que, por natureza, é simples? Porque não simplificamos aquilo que, sendo complexo, ganharia em ser tratado de forma simples? Porque é que, noutros casos, julgamos simples aquilo que realmente é complexo e, por isso, devia ser tratado como tal? A noção exacta do que as coisas são, ou deveriam ser, não é fácil. Ter consciência disso e fazer por compreender a realidade tal como ela é, ou deve ser vista, é atributo dos bons profissionais. Os cientistas, por exemplo, usam (com vantagem) modelos para representar, de forma simples e compreensível, realidades que são complexas, mas não perdem a noção das limitações inerentes ao instrumento de análise.

Albert Einstein afirmava que “se não pudermos explicar algo de forma simples, é porque não o entendemos suficientemente bem”. Contudo, alertava para o perigo do simplismo, ao dizer que “tudo deve ser feito da forma mais simples possível, mas não mais simples do que isso”. Ou seja, existe um grau óptimo de simplicidade, difícil de definir mas importante de identificar, o qual se infere da máxima “nada é tão simples, nem tão difícil, quanto parece”. A complicação, além de apanágio de mentes confusas, é fonte de poder para quem pretende que os outros dependam de si, da sua benevolência, dos seus favores. Ela torna a vida mais custosa e difícil, logo mais inacessível e injusta para as pessoas menos favorecidas.

Por outro lado, a complicação afasta-nos da essência da vida, distraindo-nos daquilo que verdadeiramente interessa e nos faz felizes. Foi também Einstein que declarou que “Deus prefere sempre a maneira mais simples” e que “quando a solução é simples, é Deus que está a dar a resposta”. Compreende-se, neste contexto, porque é que os comportamentos de privação nos aproximam do sentido da existência. Mas, noutra perspectiva, a complexidade pode ser fonte de prazer, sobretudo para as pessoas com elevada necessidade de cognição, levando o escritor Henry James a afirmar: “Detesto a simplicidade e rejubilo com todo o tipo de complicações. Se pudesse, pronunciava o meu nome James das maneiras mais diferentes e elaboradas que pudesse.”

 
Heróis
José Rafael Nascimento

Homenagear “aqueles que por obras valerosas, se vão da lei da morte libertando” é, não só justamente merecido, como de indiscutível utilidade para o reforço da nossa identidade social. A pátria dignifica os seus e, ao fazê-lo, dignifica-se a si própria. Sempre foi assim e continuará a sê-lo, questionando-se apenas a forma como o faz. Assistimos, periodicamente, ao ritual da distinção de personalidades cujos méritos não se pretende pôr em causa, mas que, frequentemente, pouco ou nenhum reconhecimento obtêm da maioria dos cidadãos. São muitos, no entanto, aqueles que julgamos merecerem a nossa homenagem, directamente ou por intermédio do Estado, neles se incluindo médicos, bombeiros, professores, jornalistas, enfermeiros, polícias, juízes, artistas, militares, autarcas e tantos outros profissionais que, durante uma vida, cuidam do bem-estar dos seus concidadãos, distinguindo-se pela prestação de um serviço público exemplar.

Milhares de heróis anónimos passaram pela nossa História sem receberem aquilo que, ainda em vida, mais mereciam e raramente reivindicaram: o reconhecimento público do seu trabalho. Portugal tem instituições e profissionais de que muito se pode orgulhar. Grande parte deles desempenha um papel essencial à nossa sobrevivência e qualidade de vida, esforçando-se por demonstrá-lo em cada acto que pratica, não apenas de natureza profissional, mas também social e humanitário. Ao conhecer por dentro realidades organizacionais que dificilmente se percebem por fora, em toda a sua complexidade, penso em como este Estado é ingrato, ao não valorizar devidamente os seus melhores funcionários e outros destacados cidadãos. Ocorre-me, também, que nós próprios, enquanto clientes ou utentes, ignoramos muitas vezes as contrariedades que essas pessoas humildes e anónimas enfrentam, tudo fazendo para nos servir o melhor que podem e sabem, mesmo quando as ofendemos com alguma, ou sem nenhuma, razão.

Naturalmente que, em todo o lado, existem bons e maus profissionais, sendo estes últimos merecedores de crítica, ou mesmo de reclamação, se se justificar. Contudo, ao destacarmos os melhores, estamos, não só a recompensá-los, como a diferenciá-los dos piores, contribuindo assim para uma motivação adicional e, consequentemente, para a melhoria do desempenho profissional. Aguarda-se que o Estado, no âmbito das reformas tantas vezes prometidas, melhore os critérios de avaliação e reconhecimento dos seus funcionários, bem como dos cidadãos que se destacam nas diversas frentes do desenvolvimento económico e social, ao nível nacional e local. Também as empresas e instituições, públicas e privadas, devem anualmente homenagear publicamente os seus melhores colaboradores. Entretanto, sejamos nós mesmos, cada um de nós, a reconhecer directa e pessoalmente aqueles que nos servem e cuja atitude no trabalho vai para além do simples cumprimento do horário ou conteúdo genérico da função. A esses heróis anónimos, queremos dizer OBRIGADO!


Competitividade
José Rafael Nascimento

Num mercado aberto, em que a concorrência funcione de facto, com respeito pela lei e pela ética, só há lugar para quem se empenha diariamente na aumento da produtividade, da qualidade, da inovação e do serviço ao cliente, alargando se possível as fronteiras do seu mercado tradicional. Quando tal acontece, ganham os empresários e os trabalhadores, os fornecedores e os consumidores, o país e os cidadãos. Ao contrário, quando as coisas correm mal, perdem aqueles que mais pagam pelas crises, a fundamental e indispensável classe média, sofrendo os mais carenciados e desfavorecidos.

Num contexto competitivo, requer-se profissionais qualificados e uma nova atitude empreendedora. Camões dizia que “a arte aguça o engenho”, a que acrescentamos “... e obriga a dar ao pedal”. O maior problema de Portugal reside na fraca competitividade da economia e da sociedade, consequência da falta de liderança e de um quadro político, legal e cultural que defende, até ao limite, o proteccionismo bacoco e o conservadorismo paralisante. Conhecemos as nossas insuficiências, mas temos pouca vontade de as superar, fazendo até delas, por vezes, motivo de orgulho e gabarolice.

Nesta perspectiva, é errada a ideia de que o problema está na qualificação dos nossos recursos humanos, não porque eles não precisem de ser muitíssimo mais qualificados (temos os piores níveis de educação escolar e profissional da União Europeia), mas porque a formação das pessoas só faz sentido num quadro de sã e activa competição. Se não, como se compreende que o país tenha mais de cinquenta mil licenciados desempregados, muitos deles a abandonar o país em busca de merecidas oportunidades? Haja competitividade e as pessoas sentirão a necessidade de se qualificarem, devendo para isso ser proporcionados os meios indispensáveis.

O que há, então, a fazer? Primeiro, reformar o quadro legal que regula a criação de negócios, o emprego e a concorrência, eliminando barreiras proteccionistas e burocráticas. Tudo o que puder ser simplificado, deverá sê-lo com a maior determinação, não se criando novas complicações. Segundo, apostar decididamente na autonomia e responsabilidade dos cidadãos e das empresas, reduzindo a dimensão do Estado e aumentando-lhe a eficácia. Terceiro, criar condições de apoio e segurança mais efectivas para os empreendedores e trabalhadores com dificuldades. Quarto, melhorar a qualidade da oferta educativa e formativa, bem como o seu alinhamento com as necessidades e oportunidades do país. Por último, lembrar que, se queremos realmente ser competitivos, temos de pôr de lado velhos preconceitos e, como diz José Mourinho, assumir que “as competições não se jogam, ganham-se”.


Compreender
José Rafael Nascimento

Compreender-se a si próprio e ao mundo que o rodeia, é necessidade e contento do ser humano, o seu prazer mais nobre e, até, a sua liberdade. Compreender é uma capacidade e motivação inata, desenvolvendo-se a estrutura neuronal do cérebro ao longo da vida, para conseguir interpretar informação cada vez mais complexa e em maior quantidade. Na “idade dos porquês”, as crianças procuram compreender aquilo que os adultos têm dificuldade ou não conseguem de todo explicar-lhes, enfrentando então a primeira contrariedade no seu processo de aprendizagem. Outras se seguirão pela vida fora, aprendendo que não é necessário, possível ou desejável compreender tudo o que nos intriga, e que a intuição é, afinal, uma capacidade a valorizar.

Goethe dizia que aquilo que não se compreende não pode ser possuído, o que nos priva de riquezas materiais e espirituais a que, de outro modo, poderíamos aceder. Quem não sabe é como quem não vê, diz o ditado popular, traduzindo a ideia de que a ignorância nos faz perder muitas oportunidades, porque não as identificamos ou, pior, porque desconfiamos das que nos saltam à frente. Possuir informação não é suficiente para compreendê-la, faltando atribuir-lhe adequado significado, o qual, ainda assim, poderá ser diverso e distinto daquele que a fonte pretenderia. Também a interpretação da realidade pode alcançar múltiplos graus de proficiência, consoante a capacidade do sujeito para integrar o conhecimento parcelar que vai adquirindo, levando a escritora Marie Eschenbach a afirmar que na juventude aprendemos e com a idade compreendemos.

Compreender não significa aceitar, tal como ser empático (ter em conta o outro) não significa simpatizar. Qualquer profissional, mesmo os que lidam com indivíduos desagradáveis, deve revelar empatia e procurar compreender as características, disposições e situações que estão na base do comportamento do outro. O psiquiatra suíço Carl Jung dizia que, quando não procuramos compreender as pessoas, tendemos a vê-las como loucas. Dois séculos antes, o filósofo Espinosa esforçava-se por não se rir das acções humanas, de não as lamentar ou odiar, mas sim de compreendê-las. No entanto, algum alheamento ou inconsciência sobre o que certas coisas são, até pode ser útil, sobretudo para quem não esteja preparado para lidar com elas. Além de que ninguém deixará de conduzir um automóvel só porque não compreende a sua mecânica.

De qualquer modo, a compreensão é uma odisseia sem limites. Sócrates (o filósofo) reconhecia que “só sei que nada sei”, enquanto Einstein surpreendia-se com o facto de a coisa mais incompreensível sobre o mundo ser a possibilidade de o compreendermos, quer se trate de inalcançáveis universos paralelos ou de insondáveis profundezas da consciência. Mas, para compreender, é preciso querer, ter a atitude, e, depois, questionar, pôr em causa crenças individuais ou colectivas que condicionam o pensamento e a aquisição de novos saberes e perspectivas, sem ceder ao medo da perda de identidade. Kurt Lewin dizia que só se conhece verdadeiramente um sistema quando se tenta mudá-lo, tal a força dissimulada dos interesses instalados, interesses esses que explicam a tão generalizada, imoral, antidemocrática e perniciosa atitude de ocultar e sonegar informação. Para que não se compreenda e, assim, se domine.


Fazer
José Rafael Nascimento

“Estavam cinco sapos em cima de um tronco e três decidiram saltar. Quantos ficaram no tronco?” Este problema, aparentemente simples e de solução óbvia, lembra o facto evidente de que não basta decidir para que as coisas apareçam feitas. Por isso, no tronco podem estar ainda os cinco sapos, impávidos e serenos. Concretizar o que se decide é tão importante quanto decidir, não se devendo desvalorizar qualquer das etapas. Contudo, porque frequentemente o processo de decisão é longo e penoso ou a decisão visa apenas iludir alguém, a vontade ou capacidade para empreender é pouca e as coisas “ficam no papel”.

O processo empreendedor obriga a percorrer várias etapas. A primeira é a do sonho ou visão, a qual pode corresponder a uma única ideia, simples e clara, ou a múltiplas ideias, vagas e dispersas. Tomada a decisão sobre o que fazer, importa ainda decidir sobre como fazer, o que por vezes compromete a decisão anterior relativa ao objecto ou objectivo. Definido o método, incluindo o quanto, quando, onde e quem, fica completa a decisão, restando a etapa definitiva: concretizar o que se pensou.

Este processo é necessariamente interactivo, com avanços e recuos, sendo o erro uma componente intrínseca e inevitável que deve ser monitorizada e mantida a níveis aceitáveis, quando impossível de evitar. Repito, o erro é uma variável da equação em qualquer projecto empreendedor, não devendo por si só envergonhar ninguém. Vergonha, vergonha, é não tentar, nada fazer e impedir que outros façam. Vergonha é aproveitar o erro de quem faz para rebaixar e desincentivar, procurando assim justificar a inacção própria.

Consciente ou inconscientemente, muitos comportam-se como os sapos do problema: decidem mas não fazem. Ou mesmo abaixo de sapos: não decidem nem pensam fazer alguma coisa, limitando-se a invejar, boicotar ou aproveitar-se do que os outros fazem. No plano individual, isto é frustrante e irritante, o que na verdade pouco importa. Mas, no plano colectivo – da sociedade, do trabalho ou do lazer – esta realidade é devastadora e, por isso, inaceitável, responsabilizando, pelo menos no plano da censura social, aqueles que se comportam dessa maneira.

 
Reclamações
José Rafael Nascimento

As organizações bem geridas procuram desenvolver processos de trabalho eficientes e que sejam do agrado dos seus clientes. Contudo, nem sempre as coisas correm bem e, quando o cliente delas se apercebe, pode ocorrer uma reclamação. Neste sentido, pode afirmar-se que as reclamações são úteis para a organização, pois permite-lhe tomar conhecimento da ocorrência de falhas de serviço que, de outro modo, poderia ignorar ou não se aperceber da sua real importância. Reconhecida a utilidade das reclamações, importa salientar que são também úteis os elogios, as sugestões e as expectativas dos clientes, uma vez que a boa gestão das organizações depende do conhecimento geral que têm dos seus mercados actuais e das previsões que conseguem fazer para o futuro.

Para que as empresas e instituições se adaptem e aproveitem atempadamente as mudanças que ocorrem no seu contexto próximo e alargado, é essencial que possuam sistemas de informação adequados, capazes de processar e analisar dados internos e externos, tanto os existentes como os recolhidos para o efeito. Esse conhecimento deverá ser, posteriormente, disseminado por toda a organização, com vista à melhoria dos produtos e processos, assim como à sua inovação, gerando maior satisfação dos clientes e rentabilidade para a organização. Para tal, é essencial que haja uma boa comunicação e cooperação interna, trabalhando todos os departamentos e equipas para os mesmos objectivos, de uma forma planificada e coordenada.

Os erros devem ser evitados, mas as reclamações devem ser facilitadas e reconhecidas, utilizando-se instrumentos e processos activos de detecção da insatisfação dos clientes, por ténue que seja. Ao cliente, deve dar-se uma perspectiva de como e quando a reclamação será tratada, mantendo-o informado do processo até à sua conclusão, e compensando-o por eventuais prejuízos ou incómodos. Internamente, os erros deverão ser corrigidos e tomadas medidas concretas para que não se voltem a repetir, aprendendo-se as lições que a sua ocorrência acaba por proporcionar. Mais importante do que atribuir culpas (incumbência dos juízes), será rever a distribuição de responsabilidades (incumbência dos gestores), percebendo-se os motivos pelos quais as mesmas não foram assumidas.

Recentemente, precisei de prorrogar um pedido de reencaminhamento de correio, da minha anterior morada para a actual. Além de excessivamente burocrático, o pedido tem de ser efectuado de novo, sempre que se pretende uma extensão do prazo anterior. Manifestei ao empregado que me atendeu o meu desacordo com o processo, sugerindo a sua simplificação. A resposta do empregado foi imediata e concludente: “Não é a mim que deve dizer isso!”. Então não é a quem representa a instituição perante o cliente? A função do profissional de atendimento é apenas cumprir as ordens que lhe dão? A instituição e os seus colaboradores não estão interessados em melhorar os processos e aumentar a satisfação dos clientes? Os clientes têm fatalmente de perceber menos de organização e racionalização do trabalho do que os prestadores de serviços? Ou será, em muitos casos, falta de interesse, humildade e brio profissional?

 
(A)Normalidades
José Rafael Nascimento

Por razão da capacidade adaptativa dos seres vivos às diferentes condições da natureza, o que é, indiscutivelmente, uma qualidade admirável e condição indispensável à sobrevivência das espécies, tendemos igualmente a adaptar-nos e a aceitar novos comportamentos sociais, mesmo quando antes os rejeitávamos. Na verdade, as atitudes dos indivíduos têm uma limitada capacidade de resistência às atitudes da maioria ou de outros significantes, à medida que o tempo se prolonga. Então, o que se achava anormal vai tomando a qualidade de normal, começando por estranhar-se e, depois, entranhar-se.

Um dia, mandei sair da sala de aula uma aluna por, no seguimento de uma chamada de atenção ao seu mau comportamento, ter expelido um sonoro “fónix!”. Dois meses depois, os CTT lançavam um novo produto de telefonia móvel, cujo nome comercial era (e é) exactamente... “phone-ix”! Ao longo dos anos, também o vestuário dos alunos evoluiu para um grau de informalidade e gosto alternativo que, por vezes, se torna difícil de aceitar. No Verão, por exemplo, a profusão de bermudas e havaianas suscita a dúvida de estarmos num estabelecimento de ensino ou numa estância balnear, já para não falar das obscenidades estampadas em vistosas t-shirts que, só não chocam mais, porque nem todos conseguem descodificar algumas inspiradas mensagens anglo-saxónicas.

Também nos cinemas se produziu uma mudança significativa. Há uns anos, era considerado feio e socialmente reprovável comer nas salas, antes ou durante a projecção do filme, sendo mesmo proibida a entrada a quem pretendesse fazê-lo. Hoje, por razões económicas (as pipocas geram uma elevada receita) ou outras, faz-se o contrário, sendo os espectadores não-comedores, não-bebedores ou não-lambedores, obrigados a suportar o ruído das matracas em plena trituração, com as caixas de ressonância bem abertas, mesmo quando passa um filme intimista onde os silêncios excedem os diálogos. E o que dizer das conversas em voz alta e ao telemóvel, como se não estivesse mais ninguém na sala, quebrando o verniz de supostas tias bem aperaltadas e perfumadas? Chateia-o? Pois bem, também antes se evitava esta expressão corriqueira num artigo de opinião, preferindo-se “aborrece-o?” ou “incomoda-o?”, mas ela é cada vez mais usada..

Como no domínio económico, também no dos comportamentos e relacionamentos se verifica que “a má moeda expulsa a boa”, confirmando a famosa lei de Gresham. Com o tempo, os comportamentos irregulares e contrários às normas vão substituindo aqueles que, até então, eram considerados usuais e exemplares, ocorrendo uma gradual modificação das atitudes, de que nem sempre se tem plena consciência. Isto acontece mais facilmente quando não está em causa o bem-estar imediato dos outros, mas “tão somente” determinadas convenções sociais, difíceis de justificar para além do que elas simplesmente são. Perguntam-nos, então, “qual é o mal?”. Num tempo de “tiro às normas”, importa explicar a importância das convenções para a estabilidade e a qualidade dos relacionamentos, facilitando, por um lado, a gestão das expectativas e a necessária confiança social, e definindo, por outro, um padrão ético que marca a estética do comportamento humano.

 
Viaturas
José Rafael Nascimento

As viaturas constituem um suporte privilegiado para a disseminação e promoção da imagem da empresa ou instituição. Pela sua elevada mobilidade e visibilidade, bem como pela significativa superfície de exposição que oferecem aos públicos-alvo, as viaturas estendem a comunicação da empresa para lá da sua área de localização, atingindo potenciais mercados que, de outra forma, dificilmente seriam alcançados. Em serviço comercial, administrativo, de compras, transporte de clientes ou colaboradores, distribuição, assistência, fiscalização, ou simplesmente enquanto regalia de gerência ou chefia, toda a frota automóvel deverá estar ao serviço do marketing da organização.

Além das viaturas de serviço, algumas empresas e instituições mobilizam a participação de viaturas particulares na divulgação da sua imagem e na promoção dos seus produtos e serviços, oferecendo compensações monetárias ou outras, suficientemente recompensadoras para angariar potenciais interessados. Noutros casos, são estabelecidas parcerias com outras entidades, como é o caso dos taxistas, para utilização das suas viaturas como suportes de publicidade comercial ou campanhas de marketing social. Estas iniciativas, tanto podem ser realizadas com carácter permanente como em ocasiões especiais, constituindo, neste caso, uma ferramenta essencial do “marketing de guerrilha”.

Qualquer que seja a modalidade escolhida, importa assegurar que os diversos suportes de comunicação se articulem bem entre si e que os conteúdos transmitidos estejam de acordo com as linhas estratégicas do negócio. Ou seja, que os sítios (na Internet) e os impressos, os reclamos e as viaturas, as fachadas, os espaços interiores e as fardas de trabalho respeitem as mesmas opções de design e comunicação, obtendo assim um efeito de sinergia que potencia a força da imagem e o seu impacto sobre os públicos-alvo. Depois, é preciso garantir a boa manutenção e utilização desses suportes, designadamente a sua limpeza, conservação, actualização e operação. De facto, de nada serve ter uma imagem moderna, atractiva e sugestiva, se os respectivos suportes e mensagens estiverem desajustados ou descuidados.

No que diz respeito à utilização de viaturas próprias, de terceiros ou de particulares, para realizar a comunicação empresarial e institucional, é fundamental recorrer a bons profissionais de marketing e design, os quais possuem uma visão estratégica e dominam as melhores técnicas de criatividade e comunicação, conhecendo o estado da arte e o que de melhor existe em todo o mundo. Por outro lado, os parceiros deverão ser cuidadosamente escolhidos e as viaturas devidamente conduzidas e conservadas, a fim de não se comprometer a credibilidade e o prestígio da organização. Na verdade, a imagem da viatura é a imagem que o público forma da entidade que nela se identifica e promove, e essa imagem deverá ser sempre positiva e agregadora de valor, tanto para a organização como para os seus clientes.


Citações
José Rafael Nascimento

“Vivemos actualmente uma situação particularmente difícil que exige de todos nós o nosso melhor e exige, como diria Churchill, mais do que isso, exige que façamos o que é necessário” afirmou recentemente o ministro de Estado e das Finanças Teixeira dos Santos, durante a apresentação de um estudo económico da OCDE. Ao ouvi-lo citar o famoso chefe do governo britânico, que corajosamente enfrentou a máquina de guerra nazi e defendeu a liberdade dos povos, senti um baque. Teixeira dos Santos a citar Winston Churchill? Aquele que foi considerado o pior ministro das Finanças da União Europeia (inquérito Financial Times, 2008) a citar o assertivo, competente e heróico líder britânico? Quantas voltas terá este dado no túmulo quando foi citado pelo mais íntimo colaborador do pior primeiro-ministro de que há memória em Portugal (sondagem Gemeo/Ipam, 2009)?

As citações servem para ilustrar e enfatizar ideias que se pretende transmitir, aprimorando o estilo do texto ou do discurso. Também eu as uso, com regularidade. Mas, neste como noutros domínios da vida colectiva, importa respeitar princípios e regras de decoro, designadamente não utilizando afirmações descontextualizadas de pessoas credíveis e reputadas, para validar atitudes ou posições que nada têm a ver com aqueles. Ou, simplesmente, não citando personalidades com as quais não existem afinidades políticas, económicas ou sociais fundamentais. Caso contrário, também poderiam ser recordadas outras afirmações de Sir Winston Churchill, para salientar a divergência ideológica ou o comportamento reprovável dos actuais governantes, a saber:
- “Para construir, são precisos anos de trabalho difícil e lento. Para destruir, basta o acto impensado de um único dia.”
- “A verdade é invencível. A maldade pode atacá-la, a ignorância pode ridicularizá-la, mas ela vence por fim.”
- “O verdadeiro génio reside na capacidade de avaliar a informação duvidosa, especulativa ou contraditória.”
- “Um homem faz o que deve – apesar das consequências pessoais, dos obstáculos, dos perigos e das pressões – e essa é a base de toda a moralidade humana.”
- “Aqueles que podem ganhar uma guerra, raramente podem fazer uma boa paz, tal como aqueles que poderiam fazer uma boa paz, nunca ganhariam uma guerra.”
- “O socialismo é uma filosofia de falhanço, uma doutrina de ignorância e uma crença baseada na inveja; a sua virtude intrínseca é a distribuição igualitária da miséria.”
- “A crítica pode não ser agradável, mas é necessária. Ela cumpre a mesma função da dor no corpo humano, chamando a atenção para o doentio estado das coisas.”

Será que alguma destas citações ilustra o essencial da realidade política do Portugal contemporâneo? Termino com três dedicatórias:
- A todos aqueles que têm sabido resistir à desastrosa governação do país: “Eu posso estar bêbado, menina, mas ao amanhecer estarei sóbrio e a menina continuará feia.” (Churchill)
- A todos aqueles que sofrem com a desastrosa governação do país: “Atrás dos tempos vêm tempos, e outros tempos hão-de vir.” (Fausto)
- A mim próprio: “Sr. Churchill, se fosse meu marido, envenenava-lhe o chá”. Resposta de Churchill: “E se você fosse minha mulher, eu bebia-o.”


Estrutura
José Rafael Nascimento

O sucesso de qualquer organização passa pela correcta definição e articulação entre a sua estratégia, a sua estrutura e a sua liderança. A debilidade de qualquer destas componentes compromete o desempenho da entidade em causa e, consequentemente, o atingimento das suas finalidades. De facto, a ausência de estratégia permite enveredar por caminhos errados, mesmo quando bem percorridos, enquanto a debilidade da estrutura impede a realização da estratégia por falta de “máquina” que mobilize e combine, da melhor maneira, os recursos necessários. Quanto à liderança, ela constitui o cérebro que centraliza a informação proveniente do corpo organizacional e a transforma em comando certeiro e atempado, com visão, missão, partilha e motivação.

A maioria das nossas organizações, públicas e privadas, peca por insuficiência de alguma ou de todas estas variáveis. A responsabilidade maior cabe, obviamente, à liderança, por serem os homens que transformam a realidade (sendo também transformados por ela). Nas empresas e instituições, precisamos de líderes dispostos a servirem (e não a servir-se), com visão estratégica e capacidade de organização, profissionalmente competentes e sensíveis à gestão de pessoas. Formar líderes e gestores, em contexto de empreendedorismo, é uma prioridade nacional, transversal a todos os domínios da economia e da sociedade, os quais sejam capazes de romper com velhas e pesadas heranças culturais e introduzir novas práticas e hábitos de trabalho, há muito aplicados noutras longitudes.

Também sobre estratégia haveria muito para dizer, mas é da pertinência da estrutura que se quer aqui falar. Tradicionalmente, ela é designada por “máquina”, uma vez que a estrutura organizacional dominante no século XX foi exactamente a mecanicista. Com a revolução telemática (TIC’s), o advento da Internet e a globalização dos negócios, novos desafios e oportunidades se criaram, questionando a funcionalidade das estruturas complexas, formais e centralizadas, em contextos caracterizados pela necessidade de estar próximo dos clientes, dar resposta rápida à concorrência, experimentar novas abordagens ao negócio e agilizar os processos de tomada de decisão. Desenvolveu-se, assim, a estrutura orgânica, designada por “rede”, mais simples, flexível e ágil, capaz de resolver problemas imprevistos, de forma rápida e económica.

A realidade organizacional é, por natureza, contraditória ou paradoxal, requerendo-se grande atenção e sentido de equilíbrio, para a manter alinhada internamente e com o mercado e o contexto. Há que cuidar do presente e do futuro, dos grandes e dos pequenos projectos e iniciativas, do trabalho e das pessoas, dos custos e dos investimentos. Para tal, deve procurar-se o modelo de estrutura que melhor sirva a realidade da organização, os seus objectivos e desafios. Sem “máquina” ou “rede”, a estratégia não passa de um sonho lindo, tal como, sem estratégia, aquela se pode transformar num pesadelo. Em tempo de poucos recursos e de escassa margem para errar, deve dar-se toda a atenção à reestruturação e reengenharia dos processos de negócio, de gestão e de trabalho, as quais favoreçam a produtividade, a inovação, a internacionalização e o serviço ao cliente. Estas são prioridades para todos: empresas, administração pública, associações, profissionais liberais e até famílias.


Garrafa das Caldas
José Rafael Nascimento

Caldas da Rainha é terra de invulgar e distinta riqueza cultural. As suas gentes, a sua natureza, o seu património e iniciativas caracterizam-na como destino atractivo e prazenteiro para visitantes regulares e turistas ocasionais. Os interesses são muitos e diversificados, satisfazendo diferentes públicos e necessidades. O comércio e os serviços mantêm-se uma referência na região, apresentando uma oferta abundante e inigualável. Apesar das dificuldades e insuficiências, a terra das termas e da cerâmica procura adaptar-se à evolução dos tempos e encontrar novos rumos, conjugando as oportunidades proporcionadas pela modernidade com os elementos mais ricos da tradição herdada. Entre estes, a “Garrafa das Caldas” e toda a cerâmica burlesca de natureza sexual é, sem dúvida, a mais famosa, mesmo não sendo a de maior valor cultural.

Sendo óbvio o cariz sexual e paródico desta cerâmica, entretanto alargada a outros materiais, já não é tão consensual o seu carácter erótico, ou até mesmo pornográfico. Tal dever-se-á ao facto de não ser clara a definição destes conceitos, nem rigorosa a sua utilização corrente, permitindo todo o tipo de interpretações. Entendo este défice conceptual e representação polémica como uma oportunidade para o debate e o esclarecimento. Na verdade, esta notória tradição das Caldas da Rainha carece de estudo e investigação apropriados, designadamente sobre as suas origens, natureza, características, objectivos e evolução, merecendo maior atenção por parte das entidades autárquicas, académicas e associativas do concelho. A 1ª Mostra Erótica-Paródica das Caldas da Rainha, realizada há cerca de um ano pela Confraria do Príapo, deu uma importante contribuição para esse desiderato.

Uma breve passagem pelos dicionários diz-nos que o erótico se refere à expressão sexual do amor ou do prazer, quando afirmada de forma sensual, artística ou simplesmente significativa, por vezes até ilícita e libertina, tendo em vista excitar ou satisfazer a libido. Por sua vez, o pornográfico cobre um leque alargado de manifestações sexuais, desde as coincidentes com o erótico até às propositadamente explícitas e obscenas, com fraco ou nulo mérito artístico, em grau que atinja o pudor, a moral ou os costumes, causando um intenso desejo sexual ou uma forte repulsa (ou ambos, ocorrendo então uma dissonância cognitiva). Como se vê, estas definições não são claramente delimitadas e, também por isso, não merecem generalizada concordância.

Parece-me que a representação fálica da “Garrafa das Caldas”, intencionalmente caricatural, tem cabimento na intersecção das duas categorias, com objectivos mais de paródia e provocação, do que de excitação ou satisfação sexual. Naturalmente que o resultado final dependerá da interpretação artística do objecto fálico ou afim, do contexto ou situação social em concreto e, decisivamente, do significado que lhe for atribuído por cada pessoa. De facto, nem toda a gente tem o mesmo sentido de humor e a mesma relação de cumplicidade ou conflito com o sexo. O essencial, numa sociedade livre e tolerante, é que as diferentes sensibilidades sejam acomodadas, de forma adequada e na medida do possível, permitindo a realização dos legítimos desejos e preferências de cada um. Afinal, a sociedade é isso mesmo, um mosaico de personalidades, valores e estilos de vida.

A “Garrafa das Caldas” é o símbolo de uma tradição que merece ser defendida e apoiada. Dela podem beneficiar muito mais a cidade e o concelho, os artistas, os artesãos, os comerciantes e a população em geral. Além da reputação que possui e do interesse que desperta na opinião pública nacional e internacional, esta tradição pode proporcionar o desenvolvimento de uma economia interessante, geradora de postos de trabalho e bem-estar social. Por aquilo que me é dado ver, a generalidade dos caldenses tem orgulho e apoia este seu património histórico, sobrando aqueles que, por razões que só eles verdadeiramente conhecem, se lhe opõem ou o desprezam. A esses, gostaria apenas de dizer que, em matéria de obscenidade, é muito mais reprovável o comportamento elitista, arrogante e hipócrita de alguns, do que a representação grotesca de um dom da natureza, ao qual devemos a nossa existência e com o qual lidamos todos os dias, com maior ou menor benevolência.
 
 
Internacionalizar
José Rafael Nascimento

Sete biliões de consumidores mundiais, setecentas vezes mais do que os existentes no mercado interno. Se há prioridade económica onde o consenso impera, sejam quais forem as ideologias ou teorias que se defendam, a internacionalização dos negócios é certamente uma delas. Portugal tem um mercado interno pequeno, por vezes demasiado pequeno para a sua capacidade de inovação e produção em determinados sectores de actividade. O mundo está aí aos nossos pés e há séculos que o conhecemos, orgulhando-nos de termos ousado fazê-lo a uma escala que poucos haviam tentado até então. Num momento histórico em que os recursos financeiros escasseiam perigosamente, a opção pela internacionalização é, não só uma prioridade, como uma condição de sobrevivência, sendo esta ideia válida não apenas para o país como um todo, mas também para as regiões, as empresas, os profissionais e até as famílias.

A internacionalização ou globalização dos negócios pode assumir diversas formas, consoante a natureza destes e as características dos mercados, avaliando bem as oportunidades e ameaças, e tendo a noção correcta das forças e fraquezas próprias. Desenvolvendo vantagens competitivas únicas ou superiores, e explorando os factores críticos de sucesso atempadamente identificados, a transposição das fronteiras nacionais pode traduzir-se na simples exportação de bens, serviços e ideias, internamente produzidos, ou na mais audaz deslocalização e criação de negócios no estrangeiro, frequentemente em parceria com entidades locais. A ousadia deste empreendimento pode ser assumido individualmente, mas as vantagens de o fazer colectivamente são por de mais evidentes, tanto na parcimoniosa utilização dos recursos, como nas sinergias assim obtidas.

Lamentavelmente, o nosso movimento associativo é débil e pouco actuante, porque nele deveria residir o essencial do arrojo de internacionalizar, abrindo caminhos para novos mercados e parcerias, criando bases logísticas e partilhando recursos, divulgando e influenciando, formando e informando, defendendo e protegendo, sem paternalismos, formalismos ou excessos de burocracia. É isto que outros países fazem com grande sentido de eficácia, estudando bem a realidade e planificando com rigor os passos a dar. Assim se constrói o sucesso, com inteligência, determinação e cooperação. Ao Estado pede-se que facilite e promova a iniciativa privada, tomando as medidas voluntaristas que incentivem e premeiem os empreendedores. A estes pede-se que assumam as suas responsabilidades, multiplicando o capital e criando a riqueza e o bem-estar de que o país tanto precisa.

Se Camões falava de “perigos e guerras esforçados, mais do que prometia a força humana” para “entre gente remota edificar novos reinos e tanto sublimá-los”, hoje o processo de internacionalização está muitíssimo mais facilitado, quer em termos de comunicação, quer em termos de transporte e logística. Nesta “aldeia global”, muitas vezes faz pouca diferença contactar o vizinho do lado e entregar-lhe o produto vendido, ou contactar um cliente no canto mais remoto do planeta e fazer-lhe chegar a mercadoria (que até pode ser um produto intangível, enviado por email ou descarregado num sítio virtual). Importa, naturalmente, a língua em que se comunica, razão pela qual a aprendizagem e utilização do Inglês é essencial, assim como dispor de um computador com acesso à Internet. O produto, esse, pode até não ser próprio nem nacional, quando a preferência vai para uma actividade de pura intermediação.

Embora a definição de uma estratégia internacional apresente diferenças relativamente a uma abordagem nacional ou local, faz hoje pouco sentido, em muitas actividades, pensar em termos de fronteiras físicas ou limites geográficos. Se o negócio passa pela criação de um sítio na Internet, com objectivos de comunicação e, ainda por cima, de distribuição de produtos intangíveis, o posicionamento global parece ser evidente, consumindo praticamente os mesmos recursos. Portugal tem uma grande variedade de produtos que interessam ao mundo, seja pela qualidade, seja pela unicidade ou diversidade. A par dos mais tradicionais e conhecidos, outros existem que apenas carecem de adequada divulgação e promoção, de que me permito destacar a novíssima produção artística e cultural (no sentido mais amplo do termo, incluindo a gastronomia e enologia), uma indústria com enorme potencial de internacionalização, seja exportando produtos de cultura, seja importando turistas para os consumir.

 
Comunicação
José Rafael Nascimento

Somos sistemas móveis de comunicação. Sistemas, porque tudo em nós comunica e interage para produzir mensagens, tenhamos ou não consciência do que transmitimos. Móveis, porque nos deslocamos no espaço real e virtual, usando capacidades cognitivas e tecnologias que simultaneamente alargam e aproximam esse espaço, abreviando as deslocações. De comunicação, finalmente, porque tudo em nós é isso mesmo – comunicação – incluindo a nossa ausência ou inexistência. Paul Watzlawick, notável teórico da comunicação e autor de “A realidade é real?”, foi quem provavelmente melhor explicou o axioma da impossibilidade de não comunicar, tendo em conta que todo o comportamento (ou ausência dele...) é comunicação, porque transmite significado.

Para que nos serve isto? Entre muitas outras coisas, para termos consciência de que aquilo que transmitimos não é apenas aquilo que dizemos, mas também como, quando, onde, quem, quanto e porque dizemos (ou silenciamos), o mesmo se aplicando, em sentido inverso e simultâneo, às mensagens que recepcionamos pelos cinco sentidos externos, a maior parte delas visuais. Como o leitor já percebeu, referimo-nos à comunicação não-verbal, geralmente mais espontânea e verdadeira, mesmo considerando que o controlo sobre a linguagem verbal também é limitado. Ou seja, temos uma consciência limitada e intermitente daquilo que comunicamos, comprometendo o significado último desejado pelo emissor.

Ora, em ambiente profissional, a qualidade da comunicação reside exactamente na capacidade de perceber, ou fazer perceber, o outro, investindo nesse objectivo todas as capacidades cognitivas disponíveis – em termos de atenção, compreensão e memória – e procurando confirmar a interpretação efectuada. Um vendedor, por exemplo, deverá sempre obter feedback do cliente sobre aquilo que lhe transmite, confirmando também, não só o que o cliente lhe diz, mas sobretudo o problema (ou necessidade) que pretende resolver (ou satisfazer). Deverá, por outro lado, guardar para si eventuais preconceitos, contrariedades, julgamentos e desconfianças, mantendo um controlo elevado sobre o que transmite, tanto por linguagem verbal como não-verbal – expressões, gestos, posturas, tons de voz, silêncios, etc. – por mais subtis que sejam.

Lembrar, finalmente, que a comunicação pessoal compreende ainda todos os significados transmitidos pelo nosso corpo e vestuário, devendo os mesmos ser facilitadores das funções desempenhadas. Resta a comunicação impessoal (situacional, ambiental) expressa nas mensagens do meio envolvente – físico (instalações e equipamentos), social (clientes e empregados) e temporal (momentos de contacto ou interacção) – a qual, além de transmitir significados próprios, condiciona a interpretação das mensagens pessoais. Entre todos estes elementos, espera-se que haja coerência e adaptação às circunstâncias.

Comunicar é uma actividade primária, simples e automática; mas fazê-lo bem, com rigor e eficácia, é um exercício complexo que exige treino, empenho e consciência. Com a clara noção de que, como afirmou Watzlawick, a crença que cada um tem de que a realidade que conhece é a única realidade, é a mais perigosa de todas as ilusões, sobretudo quando se pretende impô-la aos outros. Embora se constate que muitos preferem a ilusão à dúvida (que inspira o medo) ou a ilusão à reflexão (que cansa a mente débil).


Sapatinho
José Rafael Nascimento

Em época natalícia, é preciso pensar nas prendas que gostaríamos de ver no sapatinho. No nosso e no daqueles que mais gostamos, pois o Pai Natal é generoso e, mesmo em tempo de crise, os desejos não quebram e os sonhos não se desfazem. Como eu gosto muito do meu país e dos meus concidadãos, é para eles que vão os meus pensamentos e sentimentos natalícios, em especial para os trabalhadores, gestores, empresários, investidores e consumidores que, legitimamente, desejam melhorar a retribuição do seu trabalho, competência, atitude, risco, capital, confiança e preferência, aspirações que são naturais e saudáveis, e que sempre fizeram o mundo progredir, desde que entendidas nos limites da ética que rege as sociedades.

Por isso, peço ao Pai Natal que ponha no sapatinho de todos aqueles que fazem crescer a economia portuguesa, os cinco belos presentes que passo a indicar:
1. Produtividade, para obtermos mais resultados com menos recursos, trabalhando melhor, com mais inteligência, organização e eficácia;
2. Qualidade, melhorando as especificações e aumentando o controlo e a fiabilidade dos produtos e dos processos, em todas as suas etapas e interfaces;
3. Inovação, diferenciando a oferta e satisfazendo novas necessidades e motivações, com criatividade, iniciativa e arrojo;
4. Mercado, aumentando a penetração e a cobertura dos mercados actuais e avançando para novos mercados, tanto no ambiente físico como virtual;
5. Preço, negociando melhor e reduzindo o custo dos factores, comprando bem e poupando onde e sempre que possível.

Tenho a certeza de que, ao acordarmos no Dia de Natal e corrermos para o sapatinho, estarão lá todos estes presentes deixados pelo nosso querido, determinado e incansável Pai Natal. Como ele, saibamos valorizá-los e cumprir a nossa missão com orgulho, alegria e satisfação, pondo de lado vãos queixumes, pessimismos e complicações. Como ele, façamos o nosso trabalho em equipa, com planeamento, coordenação e vontade de servir, afastando sentimentos de inveja, de egoísmo e de vaidade. Que o espírito de Natal nos embeba e nos transforme em pessoas melhores, mais profissionais e exigentes, mais autónomas e ousadas, mais positivas e confiantes. Porque, com crise ou sem crise, o Natal existirá sempre e o Pai Natal jamais deixará de cumprir o seu dever.


Despertar
José Rafael Nascimento

Aproxima-se o dia em que chegarão as medidas de austeridade e todos sentiremos as consequências da governação incompetente e mentirosa deste país. Até agora, “apenas” sentiam dificuldades os desempregados e aqueles cujos negócios ou actividades por conta própria eram afectados pela falta de oportunidades. A maioria dos cidadãos, entretanto, mantinha os seus rendimentos (os funcionários públicos até foram aumentados) e, ao invés de sentir uma redução do poder de compra, até o via incrementado por virtude da baixa significativa dos preços de muitos bens de consumo e serviços. Em breve, todos ficaremos mais pobres e aqueles que vivem no limbo orçamental terão de mudar de vida ou soçobrarão. Portugal está à beira de acordar de um pesadelo e perceber que a realidade confirma o sonho mau. Este é o nosso verdadeiro réveillon (despertar) e os três reis magos - F, M e I - já vêm a caminho, não de Belém mas de S. Bento.

Tudo isto era mais do que previsível (e evitável), se os cidadãos tivessem a cultura, o conhecimento, a informação e o interesse pela coisa pública que, lamentavelmente, não têm. Estou profundamente convicto de que a responsabilidade maior pelos sacrifícios impostos aos portugueses é daqueles que permitiram, por acção ou omissão, que se instalasse na governação do país um grupo de indivíduos de competência e idoneidade mais do que duvidosa, os quais trataram de ocupar e controlar a maioria dos lugares estratégicos do aparelho do Estado, da administração pública e dos institutos e empresas dominadas pelo poder político, no mínimo para benefício de interesses próprios, espúrios e ilegítimos, e, em casos como o do processo “Face Oculta”, para o assalto à propriedade colectiva através de burla e furto qualificado, corrupção activa e passiva, associação criminosa e tráfico de influências, entre outros. Contudo, não há aqui nada de novo, sempre foi assim: o mal instala-se quando o bem se desresponsabiliza e revoga.

Evidentemente que, nestas condições, qualquer dificuldade económica ou financeira, de origem nacional ou internacional, nos atingiria com a maior violência e com as piores consequências, pois o país não estava preparado para as enfrentar. Mas cabe perguntar: quantas personalidades sábias e credíveis, de diferentes quadrantes políticos e sociais, alertaram atempadamente para as falhas do sistema, as políticas erradas, as imprudências, os desmandos e as trafulhices a que se assistiu sucessivamente ao longo dos anos? Que atenção e consideração se deu a essas vozes que, por não se calarem, foram ofendidas, humilhadas, perseguidas e prejudicadas? Que valores foram preferidos e priorizados, em detrimento de outros que foram secundarizados e desprezados? Nesta história triste e ruinosa do Portugal contemporâneo, pode não haver santos, mas alguns são claramente mais pecadores do que outros, e por essa condição devem ser responsabilizados.

Aqui chegados, o importante é sobreviver. Cada um saberá de si, mas importa que todos nos preocupemos com todos, sobretudo com os mais fracos e dependentes – as crianças, os idosos, as pessoas com deficiência, os desempregados – a quem esta brutal e insensível governação não hesita em desproteger. Nunca a solidariedade dos portugueses foi tão necessária e decisiva como hoje, requerendo-se muita iniciativa e criatividade. Depois, é essencial que os cidadãos abram os olhos e não se deixem enganar, que vivam o presente mas cuidem mais do futuro, que abandonem preconceitos e sejam realistas, que sejam menos desconfiados e mais vigilantes, que não tenham medo nem preguiça de mudar, que olhem mais para os valores e menos para a barriga, que se interessem mais pelo bem comum do que pela mesquinhez. Os próximos meses, talvez anos, vão doer muito, já o sabemos, faltando-nos ainda ter a confiança de que os sacrifícios valerão a pena. Janus, deus do tempo e das portas, celebrado pelos romanos no primeiro dia de Janeiro, olha simultaneamente para o passado e o futuro, lembrando-nos que, afinal, tudo tem um antes e um depois. Se, à meia-noite, comeu as doze passas ouvindo as doze badaladas, confie nos seus desejos e lute por eles.



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